Aí nos demos conta – se ainda não tínhamos nos dado – da imensa ausência da juventude na vida política brasileira. O fenômeno é ainda mais contrastante, porque temos governos com enorme apoio popular, que indiscutivelmente tornaram o Brasil um país melhor, menos injusto, elevaram nossa autoestima, resgataram o papel da política e do Estado.
Mas e os jovens nisso tudo? Onde estão? O que pensam do governo Lula e da sua indiscutível liderança? Por que se situaram muito mais com a Marina no primeiro turno do que com a Dilma (mesmo se tivessem votado, em grande medida, nesta no segundo turno, em parte por medo do retrocesso que significava o Serra)?
A idade considerada de juventude é caracterizada pela disponibilidade para os sonhos, as utopias, a rejeição do velho mundo, dos clichês, dos comportamentos vinculados à corrupção, da defesa mesquinha dos pequenos interesses privados. No Brasil tivemos a geração da resistência à ditadura e aquela da transição democrática, seguida pela que resistiu ao neoliberalismo dos anos 90 e que encontrou nos ideais do Fórum Social Mundial de construção do “outro mundo possível” seu espaço privilegiado.
Desde então dois movimentos concorreram para seu esgotamento: o FSM foi se esvaziando, controlado pelas ONGs, que se negaram à construção de alternativas, enquanto governos latino-americanos se puseram concretamente na construção de alternativas ao neoliberalismo; e os partidos de esquerda – incluídos os protagonistas destas novas alternativas na América Latina -, envelheceram, desgastaram suas imagens no tradicional jogo parlamentar e governamental, não souberam renovar-se e hoje estão totalmente distanciados da juventude.
Quando alguém desses partidos tradicionais – mesmo os de esquerda – falam de “políticas para a juventude”, mencionam escolas técnicas, possibilidades de emprego e outras medidas de caráter econômico-social, de cunho objetivo, sem se dar conta que jovem é subjetividade, é sonho, é desafio de assaltar o céu, de construir sociedades de liberdade, de luta pela emancipação de todos.
O governo brasileiro não aquilata os danos que causam a sua imagem diante dos jovens, episódios como a tolerância com a promiscuidade entre interesses privados e públicos de Palocci, ou ter e manter uma ministra da Cultura que, literalmente, odeia a internet, e corta assim qualquer possibilidade de diálogo com a juventude – além de todos os retrocessos nas políticas culturais, que tinham aberto canais concretos de trabalho com a juventude. Não aquilata como a falta de discurso e de diálogo com os jovens distancia o governo das novas gerações. (Com quantos grupos de pessoas da sociedade a Dilma já se reuniu e não se conhece grandes encontros com jovens, por exemplo?)
Perdendo conexão com os jovens, os partidos envelhecem, perdem importância, se burocratizam, buscam a população apenas nos processos eleitorais, perdem dinamismo, criatividade e capacidade de mobilização. E o governo se limita a medidas de caráter econômico e social – que beneficiam também aos jovens, mas nãos os tocam na sua especificidade de jovens. Até pouco tempo, as rádios comunitárias – uma das formas locais de expressão dos jovens das comunidades – não somente não eram incentivadas e apoiadas, como eram – e em parte ainda são – reprimidas.
A presença dos jovens na vida pública está em outro lugar, a que nem os partidos nem o governo chegam: as redes alternativas da internet, que convocaram as marchas da liberdade, da luta pelo direito das “pessoas diferenciadas” em Higienópolis, em São Paulo, nas mobilizações contra as distintas expressões da homofobia, e em tantas outras manifestações, que passam longe dos canais tradicionais dos partidos e do governo.
Mesmo um governo popular como o do Lula não conseguiu convocar idealmente a juventude para a construção do “outro mundo possível”. Um dos seus méritos foi o realismo, o pragmatismo com que conseguiu partir da herança recebida e avançar na construção de alternativas de politica social, de politica externa, de políticas sociais e outras. Os jovens, consultados, provavelmente estarão a favor dessas políticas.
Mas as mentes e os corações dos jovens estão prioritariamente em outros lugares: nas questões ecológicas (em que, mais além de ter razão ou não, o governo tem sistematicamente perdido o debate de idéias na opinião pública), nas liberdades de exercício da diversidade sexual, nas marchas da liberdade, na liberdade de expressão na internet, na descriminalização das drogas leves, nos temas culturais, entre outros temas, que estão longe das prioridades governamentais e partidárias.
Este governo e os partidos populares ainda têm uma oportunidade de retomar diálogos com os jovens, mas para isso têm de assumir como prioritários temas como os ecológicos, os culturais, os das redes alternativas, os da libertação nos comportamentos – sexuais, de drogas, entre outros. Têm que se livrar dos estilos não transparentes de comportamento, não podem conciliar nem um minuto com atitudes que violam a ética pública, tem que falar aos jovens, mas acima de tudo ouvi-los, deixá-los falar. Com a consciência de que eles são o futuro do Brasil. Construiremos esse futuro com eles ou será um futuro triste, cinzento, sem a alegria e os sonhos da juventude brasileira.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.
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