sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sonho estragado

Quando menino, tempo em que só interrompia as peladas para ir à escola, sabia de cor e salteado a escalação de todos os times do Brasil e não desgrudava do radinho de pilha, eu sonhava com a realização de uma Copa do Mundo no Brasil. Chegaria a minha de vez de ver de perto as jogadas dos grandes craques do planeta. Décadas se passaram até que pude comemorar a escolha do Brasil para a Copa de 2014. Hoje, nadando contra a corrente, alimento sérias dúvidas sobre se vale mesmo a pena, para qualquer país, sediar uma Copa do Mundo. Mas meus motivos não são os da velha mídia. Tenho certeza que os estádios e toda a infraestrutura necessária ficarão prontos a tempo.Também vejo com bons olhos as novas regras de licitação do governo e acho que os órgãos de fiscalização e controle, junto com a sociedade, farão o possível para zelar pelo erário. O  xis do problema é que não há Copa do Mundo sem submissão à ditadura da Fifa. Pronto, o sonho virou pesadelo.

Escrevo este post no momento em que leio o ótimo livro Jogo Sujo - o mundo secreto da Fifa : compra de votos e escândalo de ingressos, do jornalista inglês Andrew Jennings, uma espécie de calo de Blater, Ricardo Teixeira e Havelange, que vem dedicando sua vida profissional a desnudar o portifólio de falcatruas dos homens que comandam a Fifa e dão as cartas no futebol ao redor do mundo. De suborno para favorecer candidatos a sediar Copas do Mundo até o pagamento de propinas por parte de empresas de marketing esportivo, passando por toda sorte de manipulações e articulações mafiosas, o livro de Jennings (que lhe rendeu o banimento das coletivas da Fifa) foi traduzido em 12 línguas e virou documentário produzido pela BBC e exibido em todo o mundo.

Feita a recomendação, quero falar sobre os estádios brasileiros. Do Maracanã, Mineirão, Morumbi, Beira-Rio, Olímpico, Couto Pereira, Castelão, Fonte Nova, Mangueirão, Serra Dourada, Mané Garrincha, Rei Pelé, Pacaembu, Morenão, etc.Todos foram concebidos, ganharam vida e se consolidaram respeitando a nossa cultura, o jeito brasileiro de asssitir a partidas de futebol, marcado pela informalidade, pela simplicidade e pelo despojamento do gesto de ir a um estádio de futebol. Não é à toa que os homens vão de bermudas e chinelos e as mulheres conseguem até a proeza de não se demorarem tanto diante do guarda-roupa e do espelho.

Os conflitos entre as torcidas organizadas, jamais impediram o congraçamento do torcedor comum. Como esquecer as gerais, espaço democrático ao extremo onde torcedores rivais assistiam de pé, lado a lado, aos clássicos de maior rivalidade em paz, na maior civilidade ? E as arquibancadas de cimento, capazes de abrigar, no sufoco dos jogos com mais de 100 mil pessoas, até torcedor esprimido entre as fileiras ? Sem falar no luxo dos luxos : era permitido ver os jogos tomando uma cervejinha ( no meu caso, muitas). O desrepeito ao torcedor, porém, era o mesmo  dos dias atuais : banheiros sujos e sem água, filas quilométricas para se comprar ingresso, transporte precário, falta de segurança no entorno dos estádios.

Aí é que entra de sola o padrão Fifa de "qualidade". Estádio de futebol ? Isso é coisa desconfotável e ultrapassada. Todos devem ser transformar em arenas esportivas. De preferência, em arenas multiuso. E as coisas foram sendo feitas aos poucos. Tomando como exemplo o Maracanã, cada uma das suas incontáveis obras correspondia a um passo em direção ao modelo preconizado pela Fifa. A primeira vítima foi a geral. Depois, na arquibancada, foram fixados assentos horrorosos, desconfortáveis e sempre imundos.

Foi jogada para escanteio também a perfeita, a mais que perfeita, a genial tabelinha futebol-cerveja, com a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios. Aqui, é preciso fazer justiça, a Fifa não tem nada com isso. Na Copa da África víamos o precioso líquido sendo consumido à vontade. No Brasil, o banimento da "gelada" deve-se à incompetência das autoridades que, por serem incapazes de garantir a segurança dos torcedores, varrem a sujeira para debaixo do tapete, e a cerveja vai junto.

Vêm os preparativos para a Copa do Mundo e os nossos estádios são postos abaixo por ordem expressa da Dona Fifa. Das milhares de toneladas de escombros, surgirão as tais arenas. No lugar de cimento ou bancos, poltronas reclináveis. Em vez de rampas, elevadores panorâmicos. Ao invés de botecos, restaurantes caros e sofisticados.Com lojas de grife espalhadas por toda a parte, o velho Maraca será transformado num enorme shoping center.Com o povo do lado de fora, é claro. Dando como favas contadas que o preços dos jogos da Copa serão proibitivos até para a classe média, o que me preocupa de fato é o destino das arenas de agosto de 2014 em diante. Tudo leva a crer que a elitização dos estádios um caminho sem volta. Ou seja, ao povão restará os canais abertos de TV, já que não pode pagar pelas assinaturas.

Outra preocupação que nos reserva o futuro próximo diz respeito à utilização dessas arenas. Muitas tem destino certo : se transformarão, a exemplo do que aconteceu na África do Sul, em elefantes brancos, com dois ou três eventos concorridos por ano. E não só devido ao preço. Algumas praças esportivas brasileiras, que estão entre as que vão sediar jogos da Copa, não têm tradição de atrair grandes públicos. É o caso das  localizadas no Centro-Oeste ou no Norte.

Moral da história : por tudo isso, e por levar em conta  a falta que esta montanha de dinheiro público certamente fará para a saúde, habitação, saneamento, combate a miséria, educação, etc, que caminho para concluir que não vale a pena organizar a Copa do Mundo. A Copa da Fifa, bem enterndido. Oxalá eu esteja enganado e o tal legado do evento compense tantos transtornos, trazendo benefícios concretos para a população.

2 comentários:

  1. Caro Bepe, também por imposição da FIFA, teremos cerveja sendo vendida nos estádios da Copa. O problema é que será Budweiser, uma das patrocinadoras da Copa do Mundo.

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