quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Mentira contra a Comissão da Verdade

Desde que foi aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 21 de setembro, o projeto que cria a Comissão Nacional da Verdade não para de ser questionado quanto à sua eficácia. De um lado, a mídia (conforme pontuou o presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda, em artigo esclarecedor publicado na Carta Capital) espalha a desinformação sobre o funcionamento, as normas e a composição da Comissão. De outro, alguns valorosos militantes da esquerda cometem o equívoco de não tomar a realidade, a correlação de forças, como referência para a ação política.

Primeiro, é importante assinalar as críticas infundadas da mídia apontadas por Nilmário :

- Não é correta a afirmação que a Comissão da Verdade não terá poderes para convocar pessoas, mas apenas para convidá-las a prestar depoimento.O projeto estabelece com clareza que a Comissão poderá “convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados.”

- Não existe a propalada definição quanto à participação de militar na Comissão. Aqui, cabe enfatizar mais uma pertinente observação de Nilmário : “ Aliás, 5 mil militares foram excluídos das Forças Armadas por se oporem à ditadura e vários outros deram a vida por resistirem a ela.”

- É, no mínimo, discutível a tese de que comissões semelhantes em outros países contaram com centenas de integrantes. Na Argentina, foram 13, e no Chile, oito.

Dito isso, o ceticismo com que a Comissão vem sendo encarada por alguns militantes dos direitos humanos, organizações de mortos e desaparecidos políticos e parlamentares do campo da esquerda deriva de uma falta de compreensão sobre a correlação de forças não só no Congresso Nacional como também no Judiciário brasileiro e na sociedade. Em vez de verem a comissão como um grande passo adiante na luta pelo resgate da nossa história e pelo fortalecimento dos valores democráticos, esses ativistas e intelectuais optaram pelo vaticínio preciptado e simplista de que ela está fadada ao fracasso.

Seus argumentos, reconheça-se, são inspirados em justos anseios de justiça e no clamor pela verdade. Claro que foi um erro histórico o STF ter reafirmado a anistia aos torturadores, pilar de uma lei de anistia feita sob medida para poupar os agentes do Estado que torturaram, seqüestraram e mataram. A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos condenando o Brasil pelos desaparecidos do Araguaia tem peso político, jurídico e moral suficiente para fazer, cedo ou tarde, que o assunto seja reexaminado pelo Estado brasileiro. Contudo, enquanto a anistia proteger esses criminosos, como aprovar no Parlamento um modelo ideal de Comissão, ou seja, aquele que não só traga os fatos à tona mas que puna também os torturadores ?

A propósito, a luta pela punição dos responsáveis pela tortura ( crime lesa-humanidade e, portanto, inafiançável e imprescitível) é um dever perene da cidadania. Neste sentido, a instalação da Comissão da Verdade deve ser vista como uma etapa deste processo, e não como o ponto final. Os trabalhos da Comissão serão, com certeza, um elemento crucial para fazer avançar a consciência política da sociedade.

Isso porque diante dos holofotes os horrores praticados pela ditadura podem ter o condão de forjar uma conjuntura que permita ao Brasil seguir o caminho dos seus vizinhos do Cone Sul e punir mais adiante mandantes e executores das atrocidades cometidas contra os opositores do regime. Mas é preciso entender que muitas vezes o ótimo é inimigo do bom. E essa foi a Comissão da Verdade possível neste momento histórico.

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