sábado, 26 de maio de 2012

Os "guerrilheiros" da justiça e da verdade

Grande parte dos rapazes e moças da sua faixa etária sente urticária só de ouvir falar em política, não cultiva o hábito da leitura e se deixa seduzir por roupas e calçados de marca. Mas eles ousam colocar causas políticas no centro de suas vidas. A "ideologia" do individualismo e do consumismo mais pueril é abraçada por expressivo contigente de jovens brasileiros. Mas eles não só priorizam as causas coletivas, como lutam para resgatar a memória do país. As atrocidades cometidas pelos golpistas da ditadura militar há mais de 40 anos não passam de registros esfumaçados, na base do "ouvi falar", na cabeça do grosso da juventude. Mas eles não aceitam a anistia aos torturadores e clamam por justiça. Eles são os jovens do Levante Popular da Juventude, movimento que vem sacudindo o país com seus "escrachos".

O roteiro das suas manifestações esbanja originalidade e senso de organização. Preparados de forma meticuolsa por apenas alguns integrantes das várias células do movimento, os detalhes sobre o "escracho" são cercados de sigilo absoluto. O objetivo, claro, é não alarmar os alvos dos protestos - policiais e militares de pijama, que curtem suas aposentadorias sossegados em bairros de classe média, protegidos pela autoanistia concedida pelo Estado brasileiro aos seus agentes que cometeram crimes de lesa-humanidade.

Os "escrachos" já tumultuaram a rotina, feita de sombra e água fresca, de veteranos torturadores de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Guarujá (foto acima), entre outros municípios. Do nada, entre cem e duzentos jovens surgem diante dos seus prédios e  escancaram uma faixa : "Aqui mora um torturador". Em seguida, tem início um esquete teatral sobre sessões de tortura.

 Duas reações têm sido comuns aos atos realizados até agora : enquanto os "escrachados" se esmeram em brigar com os fatos e negar da forma menos convincente possível suas participações em tortura, sequestros, assassinatos, ocultação de cadáver, etc, os vizinhos se mostram surpresos e demostram perplexidade ao descobrirem que um torturador mora ao lado. Imagine a reação de Clarisse Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog, ao saber que Henri Shibata, o médico legista que falsificava laudos para encobrir as mortes por tortura, mora a 300 metros de sua casa, em São Paulo.

Matéria publicada recentemente pela revista Carta Capital, assinada por Rodrigo Martins, revela o perfil dos valorosos jovens que compõem esse muito bem-vindo Levante Popular da Juventude : "Criado em 2006, no Rio Grande do Sul, o Levante é integrado por jovens entre 14 e 28 anos, em sua maioria sem ligação com partidos políticos e sem história familiar de luta contra a ditadura. Os mais velhos têm experiência de militância em universidades ou movimentos sociais, como os Sem Terra (MST) e a Via Campesina. Para muitos, o Levante é a primeira experiência de atuação política. "Conseguimos mobilizar universitários, estudantes secundaristas, jovens trabalhadores, o pessoal que vive nas periferias. É um grupo heterogêneo de diferentes classes sociais, explica o assistente pedagógico Lúcio Lupeno, um dos coordenadores do Levante em Porto Alegre. "Já estou velho, logo mais eu passo o bastão para a moçada mais jovem."

Segue a matéria da Carta : "Normalmente preocupado com demandas como políticas de acesso à universidade e oferta de emprego para a juventude, o Levante decidiu perseguir torturadores após o seu primeiro acampamento nacional, ocorrido em fevereiro deste ano, em Santa Cruz do Sul (RS), com a presença de 1,2 mil jovens de 17 estados. As várias "células" do grupo espalhadas pelo país, e abrigadas em universidades, escolas e associações comunitárias, resolveram entrar no debate em reação aos militares da reserva, que intensificaram os ataques à Comissão da Verdade. " Mais do que preservar a memória dos que morreram pela democracia, decidimos entrar nessa discussão porque ainda hoje os jovens, sobretudo os pobres e negros, são vítimas da violência das polícias, com estruturas herdadas da ditadura",
conta Lupeno (...)"

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