Por que falar em anular o julgamento da Ação Penal 470 no STF? Qual o fundamento de tal pretensão? Simples: erro de direito, porque é de direito que se trata. Tão evidente, aliás, que até um leigo como eu se permite proclamar com toda a tranqüilidade: anulação do julgamento!Porque o fato é que ou o julgamento é anulado, ou estaremos diante de mais um dos erros grosseiros que entram para a história no capítulo das “vergonhas do Judiciário”!
Senão, vejamos. Os pilares do apontamento do crime feitos por Joaquim Barbosa são dois: o desvio de 73 milhões do Banco do Brasil e a formação da quadrilha que teve José Dirceu como chefe. A quadrilha determinou o desvio do dinheiro e determinou que alguns parlamentares fossem “comprados” para votarem conforme os interesses do governo do Lula.
O presumido
desvio do dinheiro tem sido desmentido a partir de denúncias feitas pela
revista Retrato do Brasil, que vem demonstrando a sua perfeita utilização em
campanhas do Cartão Visa, a partir de provas constantes dos autos.
É
interessante destacar que das mais de 50 mil páginas que compõem a denúncia da
Procuradoria Geral da República apresentada pelo procurador Roberto Gurgel, na
qual o relator Joaquim Barbosa foi buscar elementos para também acusar
dramaticamente, cerca de 25 mil são transcrições de três auditorias: duas no
Banco do Brasil e uma no VisaNet.
Nesse
calhamaço de vinte e cinco mil páginas (que não foram lidas??!!) estão provas suficientes para desmontar toda
a argumentação que o procurador-geral e o relator utilizam para acusar. São
descrições de eventos promocionais, shows artísticos, sorteios de brindes,
jogos de voleibol, seminários temáticos, etc. Relativos a tais eventoshá uma
fartura de comprovantes de despesas, relatórios técnicos, notas
fiscais,fotografias e relatos.
A revista
Retrato do Brasil, na edição de dezembro, publicou uma tabela de eventos
acontecidos e os custos de cada um, demonstrando a utilização do dinheiro. Na
edição de janeiro, agora, apresenta nota fiscal emitida por organização de
comunicação contra o pagamento de serviços de divulgação de eventos apontados
antes.
Com tais
demonstrações, o primeiro pilar da definição do crime desmorona. Não houve
desvio de dinheiro do Banco do Brasil. O dinheiro, aliás, que sequer saiu do
Banco do Brasil, que apenas autorizava as campanhas promocionais, mas sim do
Visa Net, que por força de contrato entre as partespagava as campanhas que o BB
definia e apontava. O fato cabal e comprovado nos autos é que o dinheiro, que o
Joaquim Barbosa afirmou ter sido desviado, para a histriônica demonstração de
horror do Gilmar Mendes, foi utilizado em campanhas promocionais do Cartão
Visa!
Quanto à
formação da quadrilha chefiada por José Dirceu, a tese de Joaquim Barbosa foi
ainda mais elaborada e trabalhosa. Baseou-se na teoria do domínio do fato.
Segundo Joaquim Barbosa, escorado nessa teoria, a presunção de inocência e a
exigência de provas para condenar são relativizadas se o juízo estabelece a convicção de que o réu tinha conhecimentos
suficientes para participar de uma ação criminosa, ou determiná-la e comandá-la. Assim, no caso de José Dirceu,
do posto que ocupava no governo federal, “não é crível que não soubesse o que
ocorria” na suposta ação. Ora, se sabia, certamente comandava. Assim sendo,
concluiu o notável juiz relator, certamente houve a formação da quadrilha e
tudo omais. Tudo o mais é a determinação de compra de votos, fato relatado por
um único depoimento – o de Roberto Jefferson –, ainda na fase anterior ao processo,
o que significa dizer que esse depoimento não constitui prova, pois não colhido
como tal. Destaque-se que esse único depoimento, não colhido em juízo, é
contraditado por outros mais de seiscentos ouvidos em juízo e que, portanto,
compõem prova nos autos.
Mas o mais
notável na “presunção de culpa”, a partir do “sentir” de Joaquim Barbosa –
expressão usada pelo próprio ao apresentar o relatório que era pura peça de
acusação – e de outros juízes que compartilharam o direito à “impressão”, foi o
posterior depoimento da maior autoridade mundial na teoria do domínio do fato,
o jurista alemão Claus Roxin, que afirmou estranhar a interpretação que parecia
nortear a utilização da teoria. Dizia o teórico que de modo algum a teoria
autorizava a condenação sem provas notáveis. O que a teoria apontava e
autorizava seria a hipótese de providenciar investigação de fatos não
apresentados na abertura do processo, a partir da convicção de possíveis
participações suportadas pelo “domínio do fato”. Mas, a partir daí, a necessidade
de produção de provas seria imperiosa. A culpa presumida teria de ser provada.
Mas não foi
assim que o relator Joaquim Barbosa interpretou a base teórica da qual se
utilizou. Afirmou que desde a sua convicção do crime praticado por alguém, a culpa
estava estabelecida. Se ele pensava que o José Dirceu fora o mentor da compra
de votos, determinara o desvio do dinheiro e os parlamentares que seriam
“comprados”, e por quanto, então assim se dera. Porque ele assim o sentia.
Então, sabia. E, portanto, condenava! Convenceu alguns dos seus pares. Dona
Rosa Weber, ao votar a condenação de José Dirceu por corrupção ativa, afirmou:
“é certo que não há provas contra José Dirceu, mas a literatura jurídica me
autoriza a condená-lo mesmo assim”! E passava a citar Claus Roxin, o “notável
jurista alemão que melhor domina a teoria do domínio do fato”.
Pena o
notável jurista alemão ter sido implacável: é preciso provas! Não há teoria que
sustente e, muito menos suporte, a patética tese de que “a literatura autoriza
a condenação sem provas”. Foi-se, assim, o segundo pilar da demonstração do
crime urdida pela acusação!
Então, se não
há demonstração do desvio de dinheiro do Banco do Brasil. Ao contrário! Se não
há provas que apontem a formação de quadrilha – e todos os crimes a ela,
quadrilha, atribuídos, ainda que o relator Joaquim Barbosa o quisesse tanto! –,
gostem ou não, há erro de direito. Por isso, o julgamento deve ser anulado!
Simples
assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário