Por Saul Leblon, no portal Carta Maior
"A história nos oferece duas lições claras: reduzir a dívida é
incrivelmente difícil sem crescimento, e aumentar o crescimento é
incrivelmente difícil sem uma pesada carga de dívida pública"
(Christiane Lagarde, diretora-executiva do FMI; 12-01-2013).
"Não
se pode melhorar a situação fiscal sem que haja crescimento antes"
(Shinzo Abe, líder direitista do conservador Partido Liberal, recém
indicado primeiro ministro do Japão com uma agenda que inclui: pacote de
US$ 115 bi em investimentos públicos; afrouxamento monetária e elevação
da meta de inflação; 12-01-2013).
"O
Banco Central não mira mais o centro da meta da inflação e aceita uma
alta de preços maior para não prejudicar o crescimento. Controla
fortemente o câmbio e, para completar, a equipe econômica faz maquiagens
nas contas públicas(...) o PT ousou tocar num dogma do governo anterior
aclamado pelos economistas". (O Globo; domingo 13-01-2013)
"As
bases de uma economia saudável, promissora e atraente para
empreendedores de longo prazo estão sendo minadas por uma política
voluntarista, imediatista, populista e irresponsável, embalada num mal
costurado discurso desenvolvimentista (...) o Executivo decidiu
estimular com recursos orçamentários o crédito para investimento
(...)numa crescente e perigosa promiscuidade financeira" (Estadão;
06-01-2013)
"A criatividade do Tesouro Nacional para
fechar suas contas, com o uso de sucessivas manobras contábeis e brechas
legais, criou no Brasil uma contabilidade paralela à oficial que coloca
em risco a credibilidade fiscal (...) a economia do setor público para
pagar juros da dívida foi no mínimo 35% menor que a oficial em 2012"
(Folha de S Paulo; 12-01-2013)
As declarações dos insuspeitos
quadros conservadores, Christiane Lagarde e Shinzo Abe, soam, como se
vê, quase como provocação no cenário fiscal beligerante criado pelo
conservadorismo brasileiro em torno dos gastos do Estado.
A ofensiva busca engessar políticas contracíclicas asfixiando-as num torniquete de ilegitimidade, alarmismo e descrédito.
Articulistas
de peso e medida e competem para ver quem dá menos pelo futuro da
estabilidade fiscal nas mãos da nova populista do quarteirão: Dilma
Rousseff.
Ex-ministros do governo FHC - sob cuja batuta a dívida
pública saltou de 30% para 51% do PIB, entre 1995 e 2002; hoje é de 35% -
disparam mísseis alarmistas a partir de bases midiáticas conhecidas.
O conjunto busca abrir espaço para dar sentido e ressonância à candidatura oposicionista em 2014.
O mantra fiscal tem como alvo camarotes e numeradas dirigindo-se, sobretudo, ao dinheiro grosso da finança local e forânea.
Tem
pouco ou nenhum apelo aos ouvidos das gerais que por razões históricas
legítimas e experiência intuitiva arguta menosprezam o sassarico
retranqueiro e cobram o jogo ofensivo em busca de gols.
O
dissenso entre uma coisa e outra faz colunistas provectas se comportarem
como focas desastradas, torturando fatos e calendários na sôfrega ânsia
de entregar a encomenda.
Procura-se a 'manchete popular' capaz de embalar o comboio anti-petista empacado na BR 2014.
Enforcar a reputação de Lula em praça pública? Anunciar a emergência elétrica? Eduardo Campos presidente?
A embreagem exala queimado e os pneus afundam no atoleiro.
Até
Lagarde e Shinzo sabem que a camisa de força ortodoxa agrada ao
rentismo mas reserva uma espiral descendente intolerável à sociedade e
contraproducente ao conjunto da economia.
A direita brasileira
está à procura de um país em que faça sentido escalpelar e pedir votos
ao mesmo tempo e com igual intensidade.
Desqualificar moralmente
o PT e suas lideranças históricas foi o primeiro esticão na tentativa
de reconciliar a corda com o pescoço.
FHC advertiu e o diretório
midiático rapidamente entendeu: sem fuzilar Dilma naquilo que a
distingue, a reordenação do investimento em plena crise mundial, seria
quase operar como cabo eleitoral da reeleição.
O 'caos econômico' ocupou o espaço generoso das manchetes reservadas antes ao julgamento da AP 470.
A prova do pudim tem sido um fiasco.
Mas
se aos quituteiros da receita amargosa resta pouco mais que insistir no
veneno, ao governo chegou a hora de readequar metas, métodos e
discurso.
É contraproducente negar o óbvio.
A crise mundial de fato produz o enfraquecimento fiscal do Estado, que arrecada menos e gasta mais.
Mas também adiciona notável transparência aos conflitos de interesses.
Setores
produtivos igualmente se dividem entre a sobrevivência industrial, por
exemplo, e a preservação da voragem rentista cobrada por banqueiros,
acionistas e seus ventríloquos na mídia.
Tudo o que é sólido se desmancha no ar: relações de força se mexem; espaços conquistados deslizam; aliados hesitam
O
conjunto torna inteligível e pertinente para toda a sociedade discutir a
questão básica do desenvolvimento: produzir o quê, para quem,a que
custo e como?
Essa é a agenda que pode devolver ao governo a
limpidez de um discurso que não apenas legitima suas iniciativas, como
abre espaço para ir além delas, subtraindo terreno ao fiscalismo
regressivo e alarmista.
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