Por Luiz Carlos Azenha, no Viomundo
Em novembro de 2011, publicamos o teor de uma palestra feita pelo ex-ministro Franklin Martins em seminário promovido pelo PT, em São Paulo:“Não se arranha a Constituição, mas não se deixa a Constituição na
prateleira. Ninguém pode ferir a Constituição. Ninguém pode engavetar a
Constituição. Devemos ter no marco regulatório a Constituição na forma
de marco. Na íntegra”.Na ocasião, Franklin listou os artigos da Constituição que deveriam ser regulamentados.Todos os que defendemos um novo marco regulatório para a mídia
brasileira sabemos que se trata de ter mais, não menos mídia. De
combater os monopólios — e, portanto, a propriedade cruzada — e promover
o pluralismo de ideias, a diversidade.
Vários países da América Latina avançaram muitos nos últimos anos, como Gilberto Maringoni e Verena Glass deixaram claro, aqui.
Porém, o assunto não interessa à própria mídia, já que ameaça o poder
de uma dúzia de famílias de definir a agenda política do Brasil e,
portanto, de extrair favores e concessões de governos variados.
Por isso, a decisão deliberada de confundir regulação da mídia com censura ou restrição à liberdade de imprensa.
Pouco importa que a tal regulação não trate, obviamente, dos meios
impressos e se concentre nas concessões públicas de rádio e TV.
A confusão deliberada turva o debate e é este exatamente o objetivo: confundir, não esclarecer.
Ora, se todas as empresas concessionárias de bens públicos são
regulamentadas, por que não atualizar o marco regulatório das empresas
de radiodifusão?
A resposta óbvia é que os concessionários se encontram na confortável
posição de exercerem monopólios locais, regionais ou de alcance
nacional, como a empresa que concentra mais de 50% de todas as verbas
publicitárias do Brasil.
Meu irmão, José Carlos, costuma dizer que ninguém fala mais da Globo
que a própria Globo: as rádios promovem os colunistas de jornais, que
aparecem na TV, que coloca O Globo na mão de
personagens de novelas, que tocam as músicas da gravadora do grupo, que
coloca seus contratados no Faustão… e assim sucessivamente.
Este modelo é reproduzido regionalmente em todo o Brasil.
As chances de mudar são, a curto prazo, reduzidíssimas.
Por que?
O senador Fernando Collor, que denunciou no Senado os que têm “poder de divulgação”,
é ele mesmo concessionário, em Alagoas — como notou o comentarista
Paulo Preto — assim como o ex-presidente José Sarney, no Maranhão.
Existem 271 políticos que aparecem como sócios de empresas
concessionárias e neste quesito o PMDB de Sarney (com 17,71%) só perde
para o DEM (21,4%). O PSDB vem em terceiro, com 15,87%. A estatística,
dos Donos da Mídia, não inclui os laranjas.
O que quero dizer é que, embora formalmente aliado ao PT no governo
federal, quando se trata da mídia o PMDB está quase que totalmente
fechado com a direita na defesa de um modelo concentrador de verbas e
poder político.
Podemos dizer sem medo de errar que o nó górdio da nossa jovem
democracia está na confluência dos interesses dos que são aos mesmo
tempo ou representam os latifundiários-congressistas-empresários de
comunicação, não necessariamente nesta ordem.
Hoje, ao assumir o cargo de presidente do Congresso, Renan Calheiros
concordou com Dilma Rousseff: quem regulamenta o setor “é o controle
remoto”. É o mesmo que dizer que cabe ao consumidor, quando entra na
farmácia, regulamentar com suas escolhas o setor farmacêutico.
O discurso de Renan demonstra que, apesar da atualidade deste debate
no Reino Unido — a partir do escândalo envolvendo Rupert Murdoch e o
relatório Leveson (íntegra aqui) e na Uniao Europeia (veja aqui), no Brasil ele continuará interditado no Parlamento.
(Parênteses para lembrar que, no Reino Unido, debate-se abertamente
regulamentação que afetaria diretamente o conteúdo da imprensa escrita —
e ninguém gritou censura!)
Para interditar o debate no Brasil contribuem dois outros fatores.
Por motivos eleitorais, o assunto não interessa neste momento à presidente Dilma.
Por pragmatismo político, os mesmos parlamentares do PT que, notou José Dirceu aqui,
não se apresentam para defendê-lo ou ao partido na tribuna, por conta
do julgamento do mensalão, preferem mendigar espaço na mídia tradicional
a promover a verdadeira liberdade de expressão, que contemple os
interesses dos trabalhadores e movimentos sociais e não apenas os
interesses neoliberais dos donos da mídia.
Há raras exceções, mas fica explícito no comportamento dos
pragmáticos que eles estão mais preocupados com a promoção de suas
ideias ou interesses pessoais do que com a democratização do espaço
público.
Porém, o cenário não é de todo desanimador. Desde que Rodrigo Vianna, ao deixar a TV Globo, expôs os bastidores da cobertura eleitoral de 2006,
o que era um segredo de insiders passou a ser compartilhado por um
crescente número de leitores. Os blogueiros sujos, com a colaboração de
internautas e comentaristas, ajudaram a didatizar a crítica da mídia,
hoje exercida cotidianamente por centenas de milhares de pessoas.
Todo período eleitoral — com suas bolinhas de papel e retrospectivas
de 18 minutos sobre o mensalão — metaboliza este processo, acrescendo um
número considerável de brasileiros ao rol dos que se tornam capazes de
identificar de forma cristalina o jogo de omissões,
descontextualizações, distorções, exageros e mentiras, como na recente
“crise” do setor elétrico.
Uma coalizão entre internautas e militantes de movimentos sociais,
frequentemente criminalizados pela mídia, continua sendo a melhor aposta
para surpreender os atores do que, por enquanto, é um não-debate sobre
mídia e democracia no Parlamento brasileiro. Já deu muito certo antes,
como no lançamento do Privataria Tucana, o bestseller que a mídia tentou eliminar pelo silêncio.
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