Por Eric Nepomuceno, no portal Carta Maior
Para a Espanha, o fundo do poço é múltiplo: cada vez que sente que
chegou lá, descobre que era apenas uma etapa desfiladeiro abaixo e
labirinto adentro. O poço parece não ter fundo algum.Agora mesmo
o governo de Mariano Rajoy, que a esta altura está mais desnorteado que
nunca, acaba de divulgar novos dados e espalhar mais desalento. Por
exemplo: em março foi alcançada a marca de 20 trimestres consecutivos
com um PIB inferior ao de 2008, quando começou a débâcle. São sessenta
meses. Cinco anos. Hoje, o PIB espanhol retrocedeu 7% em relação ao de
2008. A renda per capita é igual à de 2002.
Enquanto isso, o
desemprego continua crescendo de vento em popa: chegou-se a 26,7% da
força de trabalho. Em 2007, essa taxa era de 8%. Hoje, a Espanha só
perde para a Grécia, mas por muito pouco: o desemprego afeta 27% dos
trabalhadores gregos.
Quando se fala de espanhóis com menos de 30
anos, a marca é outra: 48%. E quando se fala de espanhóis entre 16 e 24
anos, a tragédia é muito mais brutal: 82% deles não conseguem emprego
ou não têm como começar a trabalhar. O governo espanhol reconhece que
serão precisos pelo menos dez anos para recuperar o nível de emprego que
havia em 2008.
Já não há mais o que falar de conquistas sociais
que desde o retorno da democracia, em 1977, vinham se consolidando: a
saúde pública se esfacela, o ensino público desanda cada vez mais. O
cenário é espantoso: há aeroportos transformados em vastidões desertas, e
o estouro da bolha imobiliária deixou uma paisagem salpicada de
estruturas vazias.
Os despejos e a retomada forçada de imóveis
cujos compradores não têm como pagar as prestações resultaram numa
seqüência de suicídios. A Espanha mostra uma face desastrosa, carcomida,
ruinosa.
E enquanto isso, a famosa troika – a Comissão Européia,
o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – continua
dando as cartas. E numa coincidência malvada, o trio acaba de divulgar o
resultado do novo exame sobre a banca espanhola. Os três dizem que a
operação de saneamento dos bancos vai por bom caminho, embora o quadro
ainda seja um tanto preocupante.
O governo de Rajoy responde, com
um ar altaneiro que ninguém sabe de onde veio, que está fazendo tudo
direitinho e que não vai precisar pedir mais dinheiro de resgate para os bancos, além dos quarenta bilhões de euros que já pegou emprestado.
A
malfadada troika diz que, seja como for, é preciso continuar sua
estreita supervisão sobre o que acontece na Espanha. Há preocupação,
dizem os técnicos do Banco Central Europeu, com a questão dos despejos
forçados, que começam a ser suspensos em algumas cidades espanholas.
Porque, antes de mais nada, dizem eles que assegurar a estabilidade
financeira da banca é ‘necessidade imperiosa’. Entre Bruxelas, sede da
União Européia, e a Alemanha de Angela Merkel, há o reconhecimento de
que despejar famílias que perderam empregos e não têm como pagar suas
hipotecas é um problema social doloroso. Mas, acima de tudo, é essencial
manter os bancos financeiramente saudáveis.
Mariano Rajoy,
impávido colosso, insiste: a situação poderia estar pior. Bem, sempre é
possível piorar, e os espanhóis, ao longo dos últimos cinco anos,
aprenderam isso dolorosamente. O problema deles é outro: é saber se dias
piores virão, e até quando, e em que profusão.
Só em 2012 foram
destruídos um milhão e pouco de empregos. O crédito entrou em colapso,
afetando consumidores de um lado e pequenos e médios produtores de
outro. Depois da década de ouro, quando o país viveu pura bonança –
1998-2007 –, agora, que se cumprem cinco anos de ardoroso retrocesso, a
expectativa é que se leve outro tanto para voltar a 2008. Ou seja, na
melhor das hipóteses, a Espanha mal chegou ao meio da década perdida. Se
nos anos dourados a oferta de crédito cresceu 20% por ano, agora vem
caindo 6% ao ano, desde 2008, e a juros cada vez mais altos, o que acaba
de sufocar os sufocados.
Ao mesmo tempo, a fuga de capitais ocorreu e continua ocorrendo em velocidade compatível com a retirada dos investidores.
Diante
desse quadro, a receita aplicada pela troika não muda um milímetro:
reformas estruturais, austeridade extrema, desvalorização dos salários.
Tudo isso, que deveria elevar a competitividade do país, não tem feito
outra coisa além de desmilingüir a Espanha.
Claro que nem tudo é
culpa apenas da famigerada troika e da ávida ganância da banca. Os
governos do socialista José Luis Rodríguez Zapatero soube, com raro
talento, preparar o terreno para o desastre levado adiante agora por
Mariano Rajoy. Foi Zapatero quem deu início aos cortes em programas
sociais, quando a crise já ia longe. Não teve, é verdade, a sanha que
Rajoy tem demonstrado. Mas parte da responsabilidade é dele.
Para
acabar de sombrear um cenário extremamente sombrio, vale recordar que a
arrecadação fiscal da Espanha está congelada, apesar de, nos últimos
dois anos, o país ter experimentado o maior aumento de impostos desde a
volta da democracia, há mais de três décadas. E isso acontece quando
alguns gastos inevitáveis, como o crescente número dos que recorrem ao
seguro-desemprego, aumentam. Além, claro, da ajuda aos bancos, que
significou ao país os tais 40 bilhões de euros emprestados pela União
Européia.
Estudos indicam que daqui a cinco anos, a menos que
ocorram mudanças radicalmente positivas, 18 milhões de espanhóis estarão
vivendo em zona de exclusão social.
Serão os novos pobres de um
pobre país. Um país que acreditou na bolha imobiliária enquanto
fabricava novos ricos, e que agora desmorona sem pena nem glória.
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