quinta-feira, 11 de julho de 2013

Visão nada cor de rosa de junho

Está claro que as manifestações que sacudiram o Brasil no mês passado tiveram o mérito de chacoalhar os poderes Executivo e Legislativo. Isso já lhes confere grande relevância política. Contudo, sou dos poucos que discordam das análises róseas feitas até agora por partidos de esquerda, centrais sindicais, entidades ligadas aos movimentos sociais e pela militância do campo popular. É que não consigo enxergar nada de progressista nelas. Muito pelo contrário. Em sua grande maioria quem esteve nas ruas foram os 3% de reacionários empedernidos que passaram os oito anos da era Lula apontando o governo como ruim ou péssimo. Boa parte do pessoal que marchou "contra tudo que aí está" é leitor de Veja, Globo, Folha e Estadão e compra como verdade absoluta suas omissões, distorções, mentiras, destruição de reputações, partidarismo e golpismo. Um contingente nada desprezível dos "patriotas" de junho foi para as ruas pregando o fim da democracia e a instalação da ditadura. Na minha opinião, os jovens lutadores por um "Brasil melhor" levaram o conservadorismo mais retrógrado para a praça pública.

Nossa esquerda não pode ver gente na rua que se apressa em glamourizar o movimento, sempre na perspectiva de tingi-lo de vermelho. No fundo, é tomada por um sentimento de inveja pelos que ocupam as ruas sem  sua chancela e liderança. Ora, a história do Brasil e de muitos outros países está repleta de episódios marcantes nos quais multidões foram mobilizadas em defesa das teses mais obscurantistas. Quem não lembra da famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade que precedeu o golpe de 1964 ?

Agora que, como era esperado, o movimento reflui com os fim da Copa das Confederações, analiso abaixo as principais argumentações da esquerda para conferir tintas progressistas à "revolta dos bem-nascidos", expressão que tomo emprestada do blogueiro Davis Sena Filho :

1) Redução das passagens é tarifa zero

No curto prazo, é claro que 20 centavos a menos todos os dias, em pelo menos duas viagens, fazem muito bem à economia popular. O problema é que todos os prefeitos e governadores que baixaram as tarifas avisaram que terão que cortar de outros gastos sociais. Então, mesmo a redução das passagens pode se transformar numa vitória de pirro se a sociedade não acompanhar e cobrar. Quanto ao Movimento Passe Livre, é importante ressaltar seu caráter progressista. Enquanto o PML liderava as manifestações, bem no início, elas tinhas foco e um mínimo de organização. Isso se perdeu logo que o estrato mais tacanho e reacionário da classe média aderiu junto com os fascistas. O MPL acerta também quando luta para inserir o direito ao transporte no capítulo dos Direitos Sociais da Constituição. Contudo, falar em tarifa zero soa quase como uma piada. Que país do planeta pratica a tarifa zero ? Nenhum. Dos mais capitalistas neoliberais ao regime comunista fechado da Coreia do Norte, de Cuba ao estado do bem-estar social mantido a duras penas pelos países nórdicos, não se vê uma experiência sequer de transporte inteiramente gratuito.

2) Saúde e educação de qualidade 

É evidente que são lutas sociais avançadas. Desde que com foco, alguma estratégia de negociação e priorizando reivindicações. Mas defender genericamente melhorias na saúde e educação equivale a não se defender nada. Quando o manifestante fala em mais saúde o que ele está querendo dizer ? Não se sabe. Será que ele quer a volta da CPMF ou a destinação de 10% do PIB para a saúde? Ou a contratação de mais médicos ? Ou mais investimentos no SUS ?  Em relação à educação é a mesma coisa. Não vi nenhum cartaz pregando 100% dos royalties do petróleo para a educação. Ou a valorização do salário do professor. Ou 10% do orçamento da União para a educação. Ou a cobrança do piso nacional do magistério. Enfim, o que se viu na geleia geral das ruas foi um vazio completo de propostas.

3) Fim da corrupção 

Fim da corrupção ? Como assim, cara pálida ? Aí só recorrendo ao lead jornalístico :  quem, como, quando, onde e por que ? É um tiro n'água acusar toda a classe política de corrupção. Primeiro que você ao não especificar os casos aos quais as denúncias se referem, acaba jogando ao vento a reivindicação. Depois, essa generalização engrossa o caldo cultura golpista contra a atividade política. Na melhor das hipóteses, provoca reações apressadas e demagógicas, como a do Senado que transformou o crime de corrupção em crime hediondo, no melhor estilo me engana que eu gosto. Alguém acha mesmo que a nova lei vai inibir o corrupto de carteirinha ?  E os corruptores permanecerão impunes ? Sem falar do que a nova lei traz como potencial de radicalização da judicialização da política. Como muitos tribunais de justiça dos estados são controlados por oligarquias políticas e econômicas, é de se prever dias de cão para seus adversários. O interessante também é que, de norte a sul, de leste a oeste do país, não se viu um mísero cartazete em defesa da reforma política, com o fim do mecanismo gerador de grande parte dos esquemas de corrupção na política : o financiamento privado das campanhas.

4) PEC 37 e "cura gay"

Nesses dois pontos a esquerda oscilou entre o cheque em branco ao Ministério Público, para continuar sua saga de investigações seletivas  (só se interessa por investigações que lhes garanta os holofotes da mídia, preferencialmente as que envolvem a classe política), e o embarque na bobagem da luta contra "cura gay". Sim, porque este projeto, apresentado pelo deputado fundamentalista Feliciano, nunca correu o menor risco de ser aprovado pelo Congresso. Mesmo na Comissão de Direitos Humanos, presidida por Feliciano, ele não escaparia de um derrota fragorosa, como acabou acontecendo. Mas se seguisse para as comissões, a "cura gay" seria liquidada por esmagadora maioria. Esse projeto não tinha, portanto, nem chance de chegar ao plenário. Só que a grande mídia tratou de criar a sensação de que o projeto estava na iminência de ser aprovado. Tudo por conta de seus cálculos partidários e mesquinhos : quanto mais lenha na fogueira das manifestações mais desgaste para o governo federal.

5) Gastos com a Copa do Mundo

Olha, não é que no país do futebol a Copa do Mundo se transformou em vilã dos problemas sociais. Pena que nenhuma pesquisa tenha sido feita para saber o que pensa a respeito a grande maioria silenciosa dos brasileiros que não aderiram às manifestações. Aposto que mostraria um massacre em termos de apoio à realização da Copa no Brasil. E teve gente da esquerda flertando com o grito de guerra das ruas : "Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação". Quer dizer, então, que o dinheiro gasto com a Copa, dependendo de canetada do governo, iria se transformar em investimento em mais escolas e hospitais ? Só acredita nisso quem desconhece completamente a complexidade e os meandros da discussão e votação de um Orçamento da União e a disputa política que dá em torno dele. Eu não tenho o menor constrangimento de defender o investimento público na Copa do Mundo. Isso mesmo : investimento. Como a área de comunicação do governo federal é uma lástima, pouca gente ficou sabendo que serão investidos um total de R$ 40 bilhões na Copa, mas que o Brasil vai faturar em torno R$ 140 bilhões com a realização do evento. O que acho que merece investigação são os nebulosas concessões das arenas. A privatização dos estádios. O caso do Maracanã é claramente lesivo aos cofres públicos estaduais. Não cabe na cabeça de ninguém que um estádio cujas obras custaram R$ 1 bilhão tenha sua gestão sido repassada à iniciativa privada pela bagatela de R$ 125 milhões ao longo de 35 anos. Ou seja, em nome do bem público, a privatização do Maracanã deve ser anulada e estádio voltar  a ser administrado pelo estado.





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