Por Najla Passos, no portal Carta Maior
Brasília – A fuga do senador boliviano que custou o cargo ao
ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, não foi obra
individual de um destemido diplomada brasileiro, mas uma ação organizada
pela direita com apoio de setores conservadores do Itamaraty, que
mantêm estreitos laços em questões políticas e econômicas, como o
boicote aos governos socialistas e a defesa intransigente do
agronegócio. A avaliação é do deputado Cláudio Puty (PT-PA), que
participou de uma missão oficial à Bolívia, em março, onde conheceu os
três principais personagens envolvidos na trama: o então embaixador do
Brasil na Bolívia, Marcel Biato, que patrocinou a aceitação brasileira
ao pedido de asilo político do senador, o diplomata brasileiro Eduardo
Sabóia, que afirma ter organizado sozinho a fuga do político, e o
próprio senador oposicionista Roger Pinto, que viveu 545 dias na
embaixada brasileira na Bolívia.
“Esta foi uma ação sem
precedente na história da diplomacia brasileira. Como pode um diplomata
patrocinar a fuga de um criminoso comum, à revelia do governo
brasileiro, escondido do governo boliviano e com o apoio explícito da
direita brasileira, que já o aguardava na fronteira do país?”, questiona
Puty.
Para ele, é inadmissível que o Brasil, que não aceitou o
pedido de asilo político do ex-agente da CIA, Edward Snowden, corra o
risco de colocar em xeque as relações com um país amigo para ajudar um
criminoso comum como Roger Pinto. “Pelo que consta, o Brasil não
reconhece a Bolívia como um governo de exceção. Portanto, essa ação foi
um atentado à soberania boliviana que precisa ser punida exemplarmente”,
acrescentou.
Missão oficial
O deputado foi à Bolívia
acompanhado de outros quatro colegas que, como ele, atuavam na CPI do
Trabalho Escravo. Em visita à embaixada brasileira em La Paz, se
surpreenderam com a presença de Roger Pinto. “Ele usava a embaixada como
escritório particular para fazer oposição ao governo de Evo Morales.
Recebia colegas do partido e concedia entrevista livremente”, relembra.
Puty
ficou muito impressionado também com a postura de Biato e Sabóia que, a
despeito das excelentes relações bilaterais entre Brasil e Bolívia,
tratavam aquele país com total desrespeito. “Eles falavam sobre a
Bolívia, os bolivianos e o Evo com tanto preconceito que o jantar de
recepção à nossa delegação terminou em bate-boca”, recorda ele,
ressaltando a cumplicidade ideológica entre diplomatas e senador.
Para
o deputado, a aceitação do pedido de asilo político, patrocinada por
Biato, foi um erro que, desde então, tem gerado desconforto na relação
Brasil e Bolívia. Pressionado, o Brasil decidiu transferir Biato para a
Suécia, em junho passado. Saboia, então, passou a responder como
embaixador em exercício.
Voz do agronegócio
Proprietário
de terras na fronteira com o Acre, Roger Pinto é o principal porta-voz
do agronegócio no país. Governou o departamento de Pando, quando
acumulou processos por desvios de verba, favorecimento a jogos ilegais e
venda de terra pública para estrangeiros. Depois, elegeu-se senador
pela Convergência Nacional e passou a líder um bloco de partidos
conservadores no parlamento.
Desde que ingressou na carreira
política, teve um aumento 290% em seu patrimônio avaliado, hoje, em US$ 1
milhão. Condenado por dano econômico ao país mais pobre da América do
Sul, pediu asilo político ao Brasil, em maio de 2011. Em junho, teve a
solicitação acatada pelo Itamaraty e se dirigiu à embaixada brasileira
em La Paz, onde permaneceu por 545 dias, até a fuga para o Brasil.
De
acordo com o portal do Governo da Bolívia, além da condenação, o
senador responde a quatro processos por corrupção, além de outros dez
por crimes comuns: calúnia, difamação e desacato à autoridade. O governo
boliviano garantiu que o episódio não irá afetar as relações da Bolívia
com o Brasil, mas o Ministério Público do país já estuda pedir a
extradição de Roger Pinto.
Fuga espetacular
Roger
Pinto deixou La Paz em carro oficial da embaixada brasileira, na
companhia de Saboia. Atravessou a Bolívia e despistou a imigração até
cruzar a fronteira. Em Corumbá (MS), foi recebido pelo presidente da
Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES),
que o acompanhou até Brasília, de avião.
À imprensa, Saboia
afirmou ter tramado sozinho a operação, motivado por questões
humanitárias, já que o senador sofre de problemas renais e apresentava
quadro de depressão, devido à privação de liberdade e ao afastamento da
família, que vive no Brasil.
O Ministério das Relações
Exteriores brasileiro demonstrou surpresa, prometeu apurar o caso e
convocou Sabóia para prestar esclarecimentos nesta segunda (26). Em nota
divulgada no domingo (25), afirmou que abrirá inquérito e tomará as
medidas administrativas e disciplinares cabíveis.
Na noite desta
segunda (26), a presidenta Dilma comunicou a demissão do ministro
Antônio Patriota. No lugar dele, assume Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Diplomata de carreira, ele foi o negociador-chefe da Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e atuava
com representante do Brasil na ONU.
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