Por Maurício Thuswohl, no Portal Carta Maior
No duro discurso contra a espionagem eletrônica praticada pela Agência
de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês)
realizado na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU, a presidenta Dilma
Rousseff sugeriu a adoção de um “marco civil multilateral para a
governança e o uso da internet” e anunciou que o Brasil está prestes a
adotar seu próprio Marco Civil da Internet, que poderia servir como base
para uma proposta global baseada em pontos como a neutralidade da rede,
a garantia de privacidade e de liberdade de expressão para os usuários,
a orientação inclusiva e a gestão democrática, entre outros. Com forte
repercussão internacional, as palavras de Dilma podem ter funcionado no
plano político interno como o impulso que faltava para que o Projeto de
Lei que cria o Marco Civil, que tramita há dois anos na Câmara e teve
sua votação pautada – e depois retirada – três vezes no ano passado,
seja finalmente aprovado.
Incluído na lista de prioridades do
governo desde o começo do ano, o Marco Civil da Internet, relatado pelo
deputado Alessandro Molon (PT-RJ), seguia com suas discussões travadas
pelos parlamentares da oposição e pelo lobby das empresas do setor de
telecomunicações, contrárias à sua aprovação, até que surgiram as
denúncias acerca da espionagem da NSA sobre as comunicações eletrônicas e
telefônicas da presidenta Dilma e também da Petrobras. Logo em seguida
às denúncias, o Executivo pediu ao Congresso Nacional que o PL que do
Marco Civil da Internet passasse a ser tratado em regime de urgência
constitucional. Com isso, se não for votado até 28 de outubro, passará a
trancar a pauta da Câmara, com exceção das votações de Medidas
Provisórias e Propostas de Emendas Constitucionais: “Eu espero que a
Câmara tenha a responsabilidade de votar antes que o projeto tranque a
pauta”, afirma Molon.
Para que a votação ocorra desta vez, o
deputado tem se dedicado a aparar as últimas arestas com o presidente da
casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e a contornar os focos de
resistência que ainda restam na oposição e até em alguns partidos da
base aliada ao governo, especialmente o PMDB: “Esse escândalo de
espionagem certamente contribui para aumentar a pressão para a votação
do Marco Civil na Câmara. O Marco Civil já está pronto para ser votado
há um ano e, lamentavelmente, a resistência a esse projeto tão
importante pelas empresas operadoras vem impedindo sua votação. A
presidente, em sua manifestação na ONU, deixou claro que para enfrentar
esse problema [da espionagem de dados] são necessárias medidas
legislativas, tecnológicas e de adoção de determinados mecanismos para
impedir novos episódios como esse. A medida legislativa mais importante
nesse sentido é a aprovação do Marco Civil”, diz.
Em relação a
seu conteúdo, o ponto principal – e mais polêmico – do Marco Civil da
Internet permanece inalterado. É o que trata da neutralidade da rede,
conceito que pretende garantir que todos os dados possam trafegar
normalmente, em igualdade de condições e sem sofrer discriminação. A
neutralidade da rede tem a oposição do Sindicato Nacional das Empresas
de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil),
entidade que reúne as maiores operadoras de internet do país. Segundo a
proposta de Marco Civil, no entanto, as empresas de telecomunicação não
podem fazer qualquer tipo de distinção técnica ou tecnológica entre os
diversos pacotes de navegação na internet oferecidos aos usuários.
Segundo
o Sinditelebrasil, as empresas apenas defendem sua “liberdade de
oferecer de forma transparente qualquer serviço diferenciado aos
clientes”. Na prática, as operadoras querem se reservar o direito de
oferecer aos consumidores pacotes com velocidade de tráfego de dados – e
preços – diferentes, o que, segundo o texto do Marco Civil, feriria a
neutralidade da rede: “Assim como está, o projeto vai tirar a liberdade
de escolha dos internautas de ter planos que possam ser mais simples ou
mais complexos, não vai mais permitir que possam pagar menos por alguma
coisa. Isso acontecerá se nós só pudermos oferecer o mesmo tipo de
acesso para todos os clientes”, diz o diretor executivo da entidade,
Eduardo Levy. O deputado Molon, no entanto, garante que nada será
alterado: “A questão da neutralidade será preservada, sem dúvida
nenhuma. Ela é intocável, é o coração do projeto, por isso não é
admissível qualquer brecha ou concessão à neutralidade da rede”.
Armazenamento de dados
Outro
ponto que promete ganhar destaque nas discussões sobre o Marco Civil da
Internet na Câmara dos Deputados após o escândalo da espionagem da NSA e
o pronunciamento de Dilma Rousseff na ONU diz respeito ao armazenamento
de dados dos internautas brasileiros. Na ONU, a presidenta afirmou a
disposição do governo brasileiro para aprovar regras que obriguem o
armazenamento de dados no país: “É muito importante para o Brasil que os
dados que dizem respeito ao Brasil sejam arquivados, localizados e
mantidos em base de dados dentro do Brasil”, disse.
Por conta
dessa disposição do governo, pode ser incluída no projeto de Alessandro
Molon a exigência de que as empresas internacionais de conteúdo
instaladas no Brasil – como Facebook, Twitter ou Google, entre outras –
mantenham armazenadas no país as informações sobre os usuários
nacionais. Embora seja impossível tecnicamente impedir a replicação
desse conteúdo no exterior, a obrigatoriedade de armazenamento no Brasil
fará com que as empresas tenham de responder perante a Justiça
brasileira pelas informações armazenadas e sua eventual oferta ou
transmissão a terceiros.
Segundo Molon, a inclusão no Marco Civil
da Internet de uma deliberação sobre o armazenamento de dados dos
internautas brasileiros em território nacional ainda não está decidida:
“Os técnicos do governo estão estudando para propor a melhor saída”, diz
o deputado, acrescentando que outra possibilidade é a inclusão deste
tema no Projeto de Lei sobre Proteção a Dados Pessoais que está sendo
elaborado pelo Ministério da Justiça. As empresas, por sua vez, são
contra o armazenamento de dados no Brasil, pois isso implicaria, segundo
o Sinditelebrasil, em “custos adicionais de operação” que fariam
encarecer ainda mais o valor do produto final oferecido ao consumidor.
Apesar
da urgência do governo em votar o Marco Civil, as divergências em torno
do armazenamento de dados ainda são um fator de risco para a aprovação
do projeto. Impedidas pelo texto do projeto de guardar informações sobre
as conexões feitas pelos usuários, as empresas operadoras pedem
isonomia de tratamento, já que as empresas de conteúdo estão no olho do
furacão da espionagem da NSA: “É preciso ter igualdade de possibilidades
entre operadoras e empresas de conteúdo. Se o Marco Civil diz que as
empresas de telecom não podem guardar as informações dos clientes, eu
acho que as empresas de conteúdo também não podem. Não vejo diferença de
privacidade para um conjunto de empresas de conteúdo e um conjunto de
empresas de conexão”, diz Eduardo Levy.
Levy é claro nos seus
exemplos: “O Google saberá, por exemplo, se uma parte dos clientes da
Tim, da Vivo, da Oi ou da Telefonica quer comprar uma geladeira, e
poderá vender essa informação. Ou nós, os provedores de conexão, podemos
guardar as informações e eles também ou eles não podem e nós também
não. Não entendemos e não aceitamos a hipótese de que o provedor de
conteúdo pode guardar e nós somos proibidos de guardar. Temos uma
discordância profunda em relação a isso”, diz.
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