quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lembranças da Constituinte; saudades do "João sem Medo"

O distanciamento causado pelos 25 anos da promulgação da Constituição de 1988 propicia, evidentemente, análises mais frias e racionais sobre aquele período marcante das história do Brasil. Contudo, não é possível falar da Assembleia Nacional Constituinte sem um rasgo de emoção. Embora, levando-se em conta a correlação de forças da época, os constituintes tenham produzido um texto avançado socialmente e voltado para as garantias individuais e coletivas, o que a minha memória registra com mais saudade foi a intensa mobilização da sociedade em defesa dos seus direitos. A pressão democrática, o lobby do bem sobre os parlamentares virou febre nacional no longínquo 1988. Na minha experiência pessoal, lembrar da Constituinte é lembrar do inesquecível João Saldanha.


As mulheres organizaram o "lobby do baton". Faziam reuniões e assembleias nos estados e tome caravana para Brasília, para o corpo a corpo com os constituintes. O movimento sindical, já liderado pela CUT que nascera cinco anos antes, praticamente acampou no Distrito Federal naqueles meses. A mesma pegada militante e cidadã era demonstrada pelo movimento negro, pelos indígenas, LGTBs, enfim, por todos os segmentos organizados da sociedade brasileira, cujas entidades ganhavam vida depois de 21 anos de ditadura.

Lembro que ainda bem jovem deparei com um comício do velho MDB, numa praça, em Niterói, no qual praticamente todos os oradores pregavam a necessidade da realização de uma Assembleia Nacional Constituinte no Brasil, como um dos requisitos básicos para a redemocratização do país. Já muito interessado em política, tratei de buscar informações sobre o assunto. Como ainda estávamos longe do mundo fantástico da internet e  do São Google, me virei comprando livros que tratassem do tema e dedicando especial atenção às matérias da imprensa alternativa sobre a luta pela Constituinte, experiências históricas do Brasil e de outros países, etc.

Frequentar debates e palestras também contribuia para adquirir os conhecimentos que procurava.O evento mais marcante, sem dúvida, foi uma conferência do saudoso João Saldanha. Eu já tinha pelo grande botafoguense "João sem Medo", pelo "comentarista que o Brasil consagrou" e pelo técnico da seleção brasileira que criou "as feras do Saldanha" (que acabou defenestrado do cargo por ser comunista de carteirinha), uma profunda admiração. E não é que passando em frente ao prédio da Reitoria da UFF, na Praia de Icaraí, topo com uma chamada para uma palestra do Saldanha sobre Assembleia Nacional Constituinte.

Lá estive e fiquei de queixo caído com o que ouvi. Como não conhecia a porção quadro político do João, me impressionou seu vasto conhecimento sobre as constituições brasileiras, as elaboradas democraticamente e as impostas. Ele traçou também um panorama completo das constituições ao redor do mundo, das mais retrógadas às mais avançadas. Defendeu uma Constituinte exclusiva para o Brasil e listou as pontos essenciais pelos quais os setores democráticos e progressistas brasileiros deveriam lutar para incluir no texto constitucional.

Enfim, Saldanha deu um show. Uma aula magna sobre cidadania que jamais esquecerei. Obrigado, João. Saudades.

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