O espetáculo do transporte dos detidos, de
várias cidades para Brasília, que muitas autoridades condenaram,
classificando-o como desnecessário, quando não como completamente
irregular, tanto quanto o desprezo pelo estado de saúde de ao menos um deles,
e a pressa no confinamento em presídio simbolicamente afamado, compôs parte
importante do roteiro.
Para
que tudo funcionasse a contento foi necessário que o ministro Joaquim Barbosa
cometesse mais um abuso e uma irregularidade ao ignorar a necessidade de fazer
tramitar o processo das prisões por um juiz de execuções.
Esse
conjunto de coisas só podia resultar em indignação expressiva e manifestações
pontuais, mas significativas.
Mas,
na próxima semana, quando provavelmente as prisões serão regularizadas e José
Genoíno transferido para tratamento de saúde em casa, cumprindo prisão
domiciliar, os motivos para toda a indignação estarão removidos e cantaremos a
vitória da democracia na luta contra o arbítrio? Satisfeitos com o resultado da
luta? Felizes e contemplativos?
Ora,
assim sendo teremos caído no golpe do bode na sala. Para quem não sabe, ou não
lembra, é a estorinha da casa na qual todos, com muitos justos motivos,
reclamavam das condições de vida e em cuja sala num belo dia apareceu um bode.
O cheiro do bode, de suas fezes e urina, óbvio, em poucos dias passou a ser o
centro dos lamentos e das reclamações. Até que o bode desaparecesse da sala e a
vida parecesse maravilhosa, risonha, com todos os problemas resolvidos.
Para
evitar o golpe do bode, é necessário que nos lembremos que a principal das
muitas irregularidades praticadas por Joaquim Barbosa não está no conjunto de
coisas relacionadas à execução das prisões, mas, isso sim, no julgamento!
Para
homologar uma condenação resolvida pelas tradicionais organizações de
comunicação do país desde 2006, como lhe foi encomendado, o relator da ação
penal, Joaquim Barbosa, precedido pelo Procurador Geral da República, Roberto
Gurgel, precisou providenciar um conjunto de ações, entre as quais relato
algumas.
Primeiro,
acolher o julgamento no STF de todos os trinta e nove réus do processo, quando
apenas três tinham direito a foro privilegiado e, portanto, deveriam ser
julgados ali, recusando a distribuição para a primeira instância, o que daria à
maioria dos réus o direito ao duplo julgamento.
Segundo,
tratando de esconder provas que beneficiavam os réus, colocando-as em outro
processo e determinando que corresse em segredo de justiça, e recusando
argumentos dos advogados de defesa que muito claramente demonstravam que a tese
de desvio de dinheiro público, pilar central da acusação, era descabida.
Terceiro,
utilizando a teoria do domínio do fato de forma completamente equivocada, a
ponto de a maior autoridade mundial no assunto, o alemão Klaus Roxin, haver
desautorizado a interpretação que o tribunal adotou – vai entrar para a
história dos equívocos notáveis a ministra Rosa Weber dizendo “eu sei que não tenho
provas cabais da culpa de José Dirceu, mas a literatura jurídica me autoriza a
condená-lo”.
Tais
fatos, irrecusáveis mesmo pelos que desejam as condenações e pelos que
necessitam desesperadamente delas, no processo de disputa de projetos políticos diametralmente opostos,
bastam para que se exija a anulação do referido julgamento.
Curiosamente,
a fuga de um dos réus condenados para a Itália poderá provocar novo exame do
conjunto das provas num ambiente sem pressões ou encomendas políticas, no qual
a apreciação dos autos seja apenas técnica e despida de outros interesses, e o
julgamento já procedido completamente desmoralizado.
Se
não nos detivermos nisso, e a isso nos dedicarmos, teremos caído no golpe do
bode. Retirem-no da sala, regularizando as espetaculares primeiras prisões e
nos acalmaremos.
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