quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O garoto e a enciclopédia do futebol

"Adorava jogar futebol. E ainda me pagavam para fazer o que me dava tanto prazer. Por isso, nunca liguei para os contratos com o Botafogo. A satisfação em defender esse clube sempre esteve em primeiro lugar ." (Nilton Santos).

 Imaginem a dor que representa para nós, botafoguenses, a perda de um  ídolo da estirpe de Nilton Santos, sinônimo de amor e dedicação ao clube da estrela solitária. Poucos times no mundo têm o privilégio e o orgulho de poder contar a história de um craque (simplesmente, o maior lateral esquerdo de todos os tempos, segundo a Fifa) que só vestiu sua camisa por longos 17 anos de carreira, nos quais conquistou tantos títulos
.
Fora o Botafogo, Nilton só admitia envergar a camisa verde e amarela da seleção brasileira, com a qual sagrou-se bicampeão mundial, em 1958 e 1962. Em momentos como esse é que queria ser poeta, para render com  palavras uma homenagem à altura do jogador do jogador de futebol e do ser humano Nilton Santos. Como estou há anos luz do dom da poesia, conto um episódio da minha adolescência que envolve a enciclopédia do futebol.

Menino ainda imberbe de 14, 15 anos, eu, meus dois irmãos e um grupos de rapozotes moradores da localidade de Bom Pastor, no bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, resolvemos criar um time de futebol. Se éramos peladeiros inveterados e apaixonados por futebol, a ponto de enganarmos os pais e irmos com grande frequência ao Maracanã espremidos nos trens da Central, por que não criarmos o próprio time ?

Decisão tomada, deparamos com o obstáculo financeiro. De que jeito levantaríamos a grana para comprar camisas, calções e meiões ? Surgiu, então, a brilhante ideia de organizarmos uma rifa. Na época, fazia sucesso entre as donas de casa um "revolucionário" aparelho chamado Magiclik, lançado com grande estardalhaço para libertar as pessoas da dependência do fósforo para acender o fogão.Arregaçamos as mangas, fomos à luta e, rapidamente, vendemos todos os números. Nos capitalizamos.

Logo descobrimos que o ex-jogador Nilton Santos tinha uma loja de material esportivo, na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo. Nada mais adequado para o nascimento de um "esquadrão" do que adquirir seu uniforme junto a uma celebridade como aquela. Vai que a gente encontra o próprio Nilton na loja. Dito e feito. Ao chegarmos ao estabelecimento, lá estava o craque recebendo seus fregueses com aquela fala e sorriso mansos, esbanjando simpatia e simplicidade.

Feitas as compras, tomei coragem e abordei o ídolo. Disse-lhe que seria uma honra se ele pudesse comparecer à estreia do time, ainda sem data marcada. Quando esperava uma resposta protocolar, do tipo "vamos ver", "quem sabe", muito comum partindo de quem pretende se esquivar de convites sem ficar mal com quem convidou, Nilton respondeu que compareceria com enorme prazer e ainda sugeriu um adversário : podíamos jogar contra os juvenis do Cocotá, da Ilha do Governador, bairro de suas raízes. Deixou, então, conosco o  número do seu telefone e de um cartola do clube da Ilha, a quem deveríamos procurar em seu nome.

Não perdemos tempo e o jogo foi marcado para um mês depois. Avisamos ao Nílton que confirmou presença. Entre a rapaziada, a ansiedade e a expectativa eram enormes. Pela estreia do time, que significava a realização de um sonho, mas principalmente pelo batismo de alguém tão ilustre para nós, boleiros de várzea. Chegamos à "Arena Cocotá", em duas Kombis pertencentes ao pai de um  dos nossos jogadores.

O Bom Pastor Futebol Clube já se aprontava no vestiário, vestindo aquela roupa novinha em folha, e nada de Nilton Santos. A frustração vai contagiando a meninada,  até que adentra o vestiário a enciclopédia do futebol brasileiro. Silêncio reverencial. Nilton toma a palavra e fala da satisfação de batizar um time de garotos tão abnegados (nós havíamos lhe contado a história da rifa) , da importância do futebol para a nossa gente, para o nosso país, e  nos desejou toda a sorte do mundo.

Contudo, Nilton não podia mais entrar em campo e reforçar um time feito ás pressas, padecendo ainda de falta de entrosamento e conjunto. Tomamos um vareio de 3 a 0. Mas temos que agradecer aos céus esse resultado, pois o "placar moral" teria de ser uns 8 a 0, dado o massacre que sofremos do Cocotá. Lembro que joguei como lateral esquerdo, mesma posição do mestre Nilton Santos, e não honrei seu exemplo. Levei um baile de arisco e endemoniado ponta direita.

Descanse em paz, Nilton, o glorioso Botafogo, clube que só tem a agradecer e reverenciar sua passagem por esta vida, sabe que de agora em diante tem mais uma estrela no firmamento para zelar por ele.





Nenhum comentário:

Postar um comentário