terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Pela 1ª vez, Brasil concede anistia a índio perseguido pela ditadura

Por Najla Passos, no Portal Carta Maior

Pela primeira vez, o Estado brasileiro concedeu anistia política a um índio perseguido, preso e brutalmente torturado pela ditadura militar. José Humberto Costa do Nascimento, o Tiuré Potiguara, 64 anos, lutou contra a exploração e extinção dos povos indígenas, entre 1970 e 1983, período em que o imperativo da ditadura era, segundo ele, vender a falsa ideia de um projeto desenvolvimentista para espoliar ainda mais os territórios indígenas. Acabou tendo que fugir para o Canadá, onde foi reconhecido como refugiado político. De volta ao Brasil, há três anos, decidiu recuperar sua história. (Sobre esse tema, ler também: "Houve extermínio sistemático de aldeias indígenas na ditadura"

Apesar da farta documentação que levantou sobre sua trajetória política, teve muitas dificuldades de convencer a Comissão da Anistia da procedência do seu pedido de reparação. As especificidades de seu caso fugiam completamente ao modelo tradicional de perseguido político para o qual o Estado, hoje, está preparado para lidar. O primeiro julgamento, em abril, foi suspenso quando Tiuré, antevendo uma derrota, se declarou em greve de fome no meio do plenário. A segunda sessão, há dez dias, o surpreendeu com o reconhecimento de sua condição de anistiado, embora apenas por um período de três anos, cuja documentação era taxativa.

A título de reparação, Tiuré irá receber uma indenização de 90 salários-mínimos, que já definiu em que empregar: dar o pontapé inicial na criação de uma espécie de Comissão Nacional da Verdade Indígena, com o propósito de levantar os crimes cometidos pela ditadura contra os povos originários do país. “Eu quero começar a pesquisa pelos locais onde passei e vi muita coisa, mas pretendo também estimular outras aldeias e outros povos a aderirem a esta luta”, afirma ele que, no momento, vive em casa de amigos na Aldeia Santuário dos Pajés, no coração de Brasília.

Uma história de luta

Filho de um índio potiguara e de uma branca, Tiuré deixou sua terra natal, a Paraíba, quando era criança. O pai conseguira um emprego de motorista na recém-fundada Brasília, eldorado de pobres e excluídos de todo o país. Morreu alguns anos depois em um acidente de carro até hoje não explicado.  Na capital federal, teve uma educação formal, casou, teve um filho e prestou concurso público para a Fundação Nacional do Índio (Funai), onde foi admitido em 1970, cheio de sonhos de ser útil a seus irmãos. Mas a ditadura militar já dominava o país. E logo se viu frente a um impasse: compactuaria ou não com o projeto desenvolvimentista dos militares que ameaçava inúmeras tribos indígenas?

Por questão de princípios, entendeu que não tinha mais como fugir da luta. Convidado pelo cacique Kohokrenum, decidiu se juntar à tribo gaviões-parkatejês, no Pará, e decretar guerra à ditadura que, naquela época, já dizimava povos indígenas inteiros para viabilizar grandes projetos desenvolvimentistas como Carajás, Tucuruí, Serra Pelada . “Viajei disfarçado, sem documentos, e, por isso, consegui me misturar aos índios da região e não ser reconhecido. Mas logo que a Funai soube que eu estava na área, a Polícia Federal já começou a me procurar por lá até de helicóptero”, relembra.

Na resistência indígena, viveu muitos anos escondido na mata, sem nenhum contato com a família. Foi quando passou por locais em que os índios afirmavam estarem enterrados guerrilheiros do Araguaia mortos nas emboscadas dos militares. Viu o que não devia. Se tornou um perigo para os poderosos de então.

Quando sua permanência na região se tornou insustentável, decidiu voltar para sua tribo de origem, na Paraíba.

Em terras potiguaras, porém, a situação era semelhante a da Amazônia. Os índios começavam a organizar uma resistência à invasão militar que lhe espoliavam as terras e os faziam trabalhar como escravos. “A ditadura tomou um terço das nossas terras para criar o Proalcool, plantar cana e beneficiar os latifundiários. E a Funai corroborava com tudo. Concedeu até uma certidão negativa de presença de índios na área para que o Banco Mundial autorizasse um empréstimo. E isso quando ainda havia três mil índios por lá”, lembra ele.

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