quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quem tem medo dos conselhos populares ?

Por Walquíria Domingues Leão Rego, no portal Carta Maior

A geração que lutou contra a ditadura conhece muito bem o quanto custou de sofrimento e dor a conquista da democracia, e a convocação de uma Constituinte. Com problemas, dificuldades e tensões, temos uma constituição bastante democrática. Tal, como a conhecemos, é bom que se diga, foi arrancada do conservadorismo brasileiro mais renitente, que persiste entre nós de muitas formas, inclusive na retórica de certos setores de esquerda. Uma prova cabal desta persistência conservadora tem se revelado na posição de verdadeiro pânico diante do Decreto 8.243/14, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS). A grande mídia e seus funcionários ideológicos abriram furiosas baterias contra o decreto.


Os argumentos contrários, apresentados até agora sobre a participação popular  no desenho das políticas públicas exibem seu tradicional corte alarmista, que vai da acusação de golpe de Estado  a populismo e chavismo.  As duas ultimas noções bastante utilizadas no atual léxico conservador, servem na verdade para desqualificar e aniquilar de saída qualquer debate sobre maior inclusão politica da soberania popular.  A história  da  democracia, desde seu nascimento entre os gregos, testemunha que ela não se congela em uma forma única. Seu tecido, sua espessura, experimentou, conforme a luta social, combinações formais e inovações institucionais diversas.

0s conselhos populares consultivos foram praticas comuns à Republica de Weimar, à experiência vienense de 1919-1934, para não falar dos experimentos dos países escandinavos. Os democratas comprometidos em democratizar a democracia sabem muito bem da importância da ampliação dos espaços de debate para aprofundar e enraizar os sentimentos democráticos. Assim, se retira a democracia da dinâmica exclusiva da forma puramente eleitoral, a qual pode sim ser capturada em grande parte pelos interesses privados mais poderosos e antipopulares.

O século XVIII nos legou, sobretudo pelo pensamento agudo do Marques de Condorcet, formulas preciosas de combinações de representação e participação popular, parlamento, e o que chamava de: assembléias primárias, ou seja, ampliação de espaços democráticos e deliberativos, tendo em vista sempre a melhoria dos procedimentos institucionais, em especial a melhoria da qualidade da representação. Supunha que quanto mais o povo dispusesse de espaços de encontro e de debates  públicos, mais se desenvolveria como sujeito de  vontade autônoma. Podendo, tornar-se mais ativo e mais exigente nos seus direitos e deveres  para com a  república.

A representação foi e é uma das grandes categorias da política.  Ninguém esta propondo sua liquidação. O que foi proposto foi simplesmente a consolidação e a compilação da experiência dos conselhos existentes e previstos  em  nossa Constituição.  Qual a razão real para tanto estardalhaço?   A histeria conservadora tenta por todos os meios ocultar e deformar que  o referido decreto não cria nada de novo, nenhum novo organismo.  O conservadorismo como sempre fez  foi aterrorizar os incautos e desinformados. Com isto, se for possível, pretende mesmo retirar a questão da agenda política do país.

As razões que alimentaram a geração que lutou pela Constituição ainda estão presentes.  Ulisses Guimarães afirmou um dia que “a Constituição, tal como caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio”. As lutas e sonhos de uma geração não podem ser reduzidos a poeira. Afinal, lembrava Gramsci. “Uma geração que ignora, desvaloriza e apequena a geração que a precedeu, que não consegue reconhecer a sua grandeza e o seu significado histórico e necessário, é uma geração que se mostra mesquinha, que não tem confiança em si mesma, ainda que assuma pose de gladiador e exiba mania de grandeza”.





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