Por Artur Voltolini, para o Brasil 247 –
Washington Quaquá, 43, nascido na favela do Caramujo, em Niterói, é
prefeito reeleito de Maricá – na Região dos Lagos do Rio de Janeiro –, e
presidente do PT fluminense desde 2013. Ele recebeu a reportagem do Brasil 247 em
seu gabinete informal, uma bela casa em forma de oca projetada por
Oscar Niemeyer para seu amigo Darcy Ribeiro, que passou seus últimos
dois anos de vida nela. O gabinete fica na rua Cento e Dezenove, no
bairro de Cordeirinho, de frente para o mar.Nos cômodos da casa decorada de forma bem simples, um quadro de Fidel
Castro orna a parede que antecede a sala de onde Quaquá governa a
cidade e cuida das alianças do PT estadual. Deve ter sido de lá que ele
acenou para uma aliança com Marcelo Freixo (Psol) para as eleições
municipais de 2016, e de lá que ele mudou radicalmente de direção e
apontou o apoio do PT à candidatura do indicado do atual prefeito,
Eduardo Paes (PMDB), possivelmente o deputado federal Pedro Paulo, do
mesmo partido.
Quaquá assume que o PT fluminense virou, nos últimos anos, quase uma
sublegenda do PMDB, e diz que para as próximas eleições esse quadro vai
mudar: O PMDB terá que aceitar os 13 pontos que o PT está desenvolvendo
“para fazer um Rio de Janeiro democrático, popular e solidário”. Entre
eles está a tarifa zero, que Quaquá está implantando, com sucesso, em
Maricá, e que deseja ver estendida para todo o Brasil. Segundo Quaquá,
se não houver acordo sobre esses pontos, o PT sai com candidato próprio.
Na entrevista Quaquá discorre também sobre a situação do PT nacional:
“Ou o PT volta a ser um partido reformista ou estamos fadados a
acabar”; sobre a participação do PT em governos do PMDB no Rio: “O que o
PT fez na Secretaria de Habitação do Município? Eu não sei. Se você
souber, me conte”; sobre as derrotas de Alexandre Padilha e Lindberg
Faria nas eleições para governador: “O Garreta tem no currículo ter
destruído os dois melhores candidatos do PT numa eleição só”; a
tentativa de se criar um quadro para o impeachment da presidenta Dilma:
“Se eles fizerem o impeachment da Dilma nós vamos organizar a
transformação revolucionária no Brasil”; e sobre sua luta contra as
empresas privadas de ônibus em seu município.
Prefeito, é possível que o senhor tenha o gabinete mais bonito do Brasil?
O Darcy Ribeiro viveu muito tempo aqui, até sua morte. Ele fugiu do
hospital e veio pra cá. Durou mais dois anos e meio, o médico tinha dado
seis meses. Ele escreveu três livros aqui, inclusive O povo brasileiro.
Como é que é ser prefeito de uma cidade do tamanho de Maricá e ainda ser presidente do PT fluminense?
Eu sou militante do PT, acima de tudo. Comecei no PT com 14 anos de
idade, Eu nasci na favela do Caramujo, em Niterói, e vim pra Maricá com
nove anos de idade, com 14 eu estava fundando em o PT daqui.
Me mudei primeiro para beira do rio Mumbuca, que agora é um bairro
mais classe média, a cidade cresceu, mas era um bairro pobre. Vim pra
cá, entrei pro movimento estudantil e fui do PT ainda na década de 1980.
Fui eleito prefeito no primeiro mandato sem nenhum apoio do partido
porque, de uns bons tempos pra cá, o PT se burocratizou demais, e virou
um partido de alguns interesses, de algumas correntes.
O PT passa por uma crise de governismo?
O Vladimir [Palmeira] dizia isso, a institucionalidade nos faz mudar a
vida de muita gente, mas nos faz pagar um preço: o da burocratização e
do aburguesamento. Então o partido entra no sistema e acaba que os
espaços de poder ficam mais importantes do que a luta política pro
avanço da luta popular.
Não que o PT não seja um partido que transforme a vida das pessoas.
Eu topo qualquer debate com qualquer partido de esquerda, que se diga
mais de esquerda do que nós. Porque autoproclamação não significa vida
real. Muitos partidos se autoproclamam de esquerda, mas na hora que você
vê quais são as ações que o partido faz de transformação da sociedade, o
PT dá de dez. Nós ainda somos o grande partido transformador do Brasil.
Viramos um partido reformista, e hoje, levemente reformista, e esse é o
problema do PT. Ou o PT volta a ser um partido reformista ou estamos
fadados a acabar. Não como a Marta [Suplicy] disse, aquilo foi uma
palhaçada, mas pode acontecer como aconteceu com todos os partidos da
social democracia europeia, que estão acabando por falta de nitidez
política, porque não se mostram para o povo como diferentes dos outros.
Não é exatamente o caso do PT, porque nós somos um governo
antineoliberal, podem acusar o quê? Se fizemos algumas concessões, são
concessões de governabilidade, mas a essência das politicas que o PT
implantou no Brasil são politicas antineoliberais. Tanto é que o Syriza,
na Grécia – que todo mundo diz que é um partido radical, que é a grande
novidade –, tem como eixo o exemplo do PT no Brasil. E o primeiro
ministro grego tem como ídolo o Lula.
Nós somos o grande partido de mudanças no Brasil, como exemplo para o
mundo, mas esse modelo que criamos de alianças por cima, de composição
com a direita para chegar ao poder, e com uma aliança conservadora de
esquerda com o setor conservador da sociedade, para fazer as mudanças
que nós fizemos e que melhoraram a vida do povo, esse modelo se esgotou,
até porque a burguesia não tolera mais que isso: “Até aí nós toleramos,
daí pra frente nós não vamos tolerar, não vamos tolerar que cresça mais
a massa salarial, como está crescendo mais que a renda do capital, não
vamos tolerar que fiquem abaixando os juros, diminuindo a dívida
pública”, porque isso é repasse de recurso direto para a burguesia.
Então há um momento que não dá mais pra compor, como nós compusemos.
Agora chegou a hora de sustentar mudanças mais profundas através de um
novo bloco de poder, esse bloco de poder tem que ser um bloco feito
pelos movimentos sociais e com o conjunto da esquerda.
O PT retomou o diálogo com movimentos sociais?
Acredito que sim. O Rui [Falcão] tem cumprido um papel muito
importante na presidência do PT. Embora essa direção do PT seja uma
direção com muitas fragilidades, a presidência do PT é uma presidência
de muitas qualidades, e o Rui tem cumprido esse papel, mesmo tendo tido
dificuldades. Acho que a ida do Lula, já há algum tempo, na festa de
aniversário de 25 anos da escola de formação do MST, em Belo Horizonte,
deu um belíssimo recado. A entrada do Lula no jogo nos ajuda muito a,
digamos, reconstruir o ideário do PT.
Eu virei presidente do PT estadual muito por conta dessa
burocratização do PT. Desde 2013 sou presidente do PT fluminense.
Resolvi entrar na briga para desburocratizar o PT, que estava muito na
mão do PMDB aqui no Rio. O PT tinha virado quase uma sublegenda do PMDB
no Estado.
O PT ficou muito tempo sem apresentar candidatos próprios. Como você vê a candidatura de Lindberg para governador?
O Lindberg teve um desempenho sofrível na eleição, por culpa de
vários problemas e de muitos de erros dele na avaliação da eleição,
muitos erros.
O PT nacional apoiou a candidatura do Lindberg?
O Rui permitiu que ele viesse, deu um certo apoio.
Mas o Lindberg não teve que dar uma certa pressionada?
Nós pressionamos, claro. Quem não pressiona não leva. Se tivéssemos
ficados quietos estaríamos com o PMDB até hoje, mas a gente não pode
dizer que a direção nacional não tenha ajudado.
O Lula gravou só um vídeo de apoio.
Mas gravou, né?
Mas também gravou apenas um vídeo pro Lobão Filho, no Maranhão.
Sim, mas ajudou. Tivemos problemas, mas ajudou a gente aqui também.
Não podemos reclamar. Se viesse toda a direção nacional aqui para as
ruas, à tiracolo, resolvia? Não resolveu com o [Alexandre] Padilha em
São Paulo. Foram erros de condução. O Padilha é meu amigo, um dos
melhoras quadros que o PT tem, foram erros de condução de campanha.
A comunicação da campanha do Padilha parece ter tido alguns problemas.
Foi a mesma que a nossa. O cidadão lá que fez a campanha da gente
aqui. O [Valdemir] Garreta tem no currículo ter destruído os dois
melhores candidatos do PT numa eleição só. Foi horrível. O Lindberg
estava de preto, ele, um cara jovem, lutador, parecia empacotado na
televisão. O Garreta errou muito.
Mas o Lindberg cumpriu um papel. Por exemplo, nas eleições
municipais, nós estamos virando um polo de atração alternativo ao PMDB,
coisa que antes nunca fomos. O PT não estava no jogo do poder no Rio. Eu
tenho sido procurado por uma série de forças políticas em oposição ao
PMDB nas cidades, que antes tinham medo de procurar o PT, porque diziam:
“A gente vai brigar, a nossa briga é com o PMDB (ou com o Garotinho).
Se eu for pro PT os caras vão lá e entregam a nossa candidatura pro
PMDB, e eu não vou mais passar pro PT”. Hoje não. Hoje sabe-se que aqui é
um polo de resistência, se vier pra cá tem briga, tem disputa. Mesmo
num processo de reaproximação que estamos tendo com o Eduardo Paes,
sobretudo visando o Lula 2018. Até porque não temos candidatura a
prefeito do Rio, nem a governador, porque nosso principal quadro, o
Lindberg, foi debilitado nessas eleições. Não formamos outros quadros,
nós precisamos de um período médio de formação de novos quadros para a
disputa eleitoral, quadros que nós não temos agora.
Mas mesmo com essa reaproximação, nós nunca mais vamos ser aqui no
Rio, sobretudo sobre a nossa gestão, um satélite do PMDB. Nossos
projetos, nossas propostas, como a tarifa zero, passam a ser um dos
elementos do modo petista de governar no Rio de Janeiro. Moeda social
com economia solidária passa a ser uma das bandeiras principais do modo
petista de governar, junto com a democratização, que já é uma bandeira
histórica. Nós aqui vamos enfrentar uma eleição, seja na capital ou em
qualquer lugar do Rio, com um modo petista de governar renovado, com
tarifa zero, enfrentando a máfia do transporte, que ninguém nesse Estado
teve coragem de fazer.
A forma do senhor governar me parece totalmente diferente da
forma de governar do Eduardo Paes. Desde o Minha Casa, Minha Vida, quem
em Maricá é próximo ao Centro, com estrutura de educação e transporte. A
própria ideia da tarifa zero. O Eduardo Paes não enfrentou a máfia dos
transportes no Rio.
O Paes é um quadro do PMDB, que é um partido de centro conservador.
Nós somos um partido de esquerda. Natural que alguém que seja de um
partido de esquerda faça um governo de esquerda, e que alguém que seja
de um partido conservador faça um governo mais conservador. Embora o
Eduardo tenha tido origem no brizolismo, depois ele foi pro PSDB... Ele
tem uma trajetória, digamos, sinuosa. Mas ele não faz um mau governo. O
BRT que ele está construindo na Avenida Brasil é um ganho espetacular
para a mobilidade urbana no Rio de Janeiro.
Eu conversei com ele a falei: “Olha, o PT pode fazer qualquer coisa
aqui no Rio. Pode ter candidato próprio, ainda não tem nome, mas pode
ter candidato próprio”. Podemos lançar O Wadih [Damous] da OAB, o Robson
Leite, temos alguns quadros pra lançar, embora com pouca experiência
eleitoral.
O senhor não seria candidato?
Não, eu sou prefeito de Maricá até 2016, tenho compromisso aqui com o
povo. E nem quero ser candidato. Política não é só ganhar eleição, não é
só candidatura. Eu não sou candidato.
Eu tenho a percepção de que Rio de Janeiro tem sido, já faz
um tempo, entregue pela direção nacional do PT como a joia da coroa para
fechar as alianças nacionais e garantir a governabilidade. Essa prática
abalou a imagem do partido, e nesse vácuo de representação da esquerda
deixado pelo PT o Psol fluminense cresceu. O Marcelo Freixo aparece
como um nome fortíssimo para 2016. Não seria mais coerente o PT fazer
uma aliança com o Psol, indicando o vice?
O Psol é muito arrogante, eu propus um apoio ao Freixo, declarei
publicamente. No dia disse seguinte o Freixo vai pros jornais e diz que
não quer o apoio do PT.
Eu entrevistei o deputado Marcelo Freixo durante as eleições
de 2014, e ele me disse que o Psol estaria aberto à aliança, caso o PT
mudasse algumas de suas posturas.
Se o PT virar PSOL não precisamos ser PT, precisamos ser PSOL. Para
fazermos uma aliança com eles nós não pedimos para eles deixarem de ser
radicaizinhos de Zona Sul; eu não disse que só apoiaria o Freixo se ele
desfizesse a aliança com o [Jorge] Picciani (PMDB) na Alerj (Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) pra ganhar a Comissão de
Direitos Humanos; que a [deputada] Janira [Rocha] não pegasse dinheiro
de seus assessores; que o Cabo Daciolo não fosse um cara de direita, e
que eles o expulsassem. Eu não pedi à eles que mudassem o Psol, eles não
podem fazer uma aliança pedindo que o outro partido mude. Somos o PT,
não o PSOL. Uma aliança não é uma fusão. Se eles querem fazer aliança
com iguais, eles que vão para uma mesquita e procurem um monte de
muçulmanos que pensem iguais à eles. Não pode ser fundamentalista pra
fazer aliança. Eles estão minimamente aprendendo a fazer alianças. Nós
somos um partido que aprendeu a fazer aliança. Aprendemos até demais...
O que o PSOL espera do PT para fechar essa aliança?
Eu não sei. Nós esperávamos que eles recebessem uma perspectiva de
nosso apoio com felicidade. Um partido como o nosso dar apoio a um
partido menor como o PSOL. Se fossemos nós iríamos aceitar de bom grado:
venham que nós discutimos. Mas eles não. Eles disserem que nós tínhamos
que nos banhar no rio Jordão. Nós não vamos nos banhar no Rio Jordão.
Nós somos um partido e eles outro partido. Já que eles não querem nosso
apoio, nós vamos procurar nossa vida. Nós podemos ter candidato próprio,
poderíamos apoiar o PSOL e podemos apoiar o candidato do Eduardo Paes.
O fundamental é que nós do PT estamos escrevendo 13 pontos para fazer
um Rio de Janeiro democrático, popular e solidário. E nós vamos
apresentar essas propostas para a sociedade. Nesses 13 pontos estão
incluídas tarifa zero; moeda social nas comunidades, com uma nova
economia popular; educação de tempo integral e combate à tuberculose. No
Estado do Rio de Janeiro 700 pessoas morrem por ano de tuberculose.
Isso é uma vergonha. É quase uma guerra do Iraque matando tuberculosos
aqui. Nós vamos apresentar os 13 pontos, e podemos ter candidatura
própria ou apoiar o candidato do Eduardo Paes.
Apoiar o candidato do Eduardo Paes não iria contra alguns desses pontos que o senhor citou agora?
Se eles toparem incorporá-los, não. Qual é a diferença que sempre
teve no processo eleitoral aqui? É que nós íamos pro PMDB em troca de
cargo para a secretaria tal, para a empresa tal. E ficavam todos
arrumados ali, e não se discutia nenhuma política. O que o PT fez na
Secretaria de Habitação do Município? Eu não sei. Se você souber, me
conte. Não foram além de trazer casas do Minha Casa, Minha vida, que é
um programa federal, e encaixotaram o pessoal nas casas.
Muitos desses condomínios foram construídos em regiões
distantes da Zona Oeste sem estrutura urbana adequada para a população,
como transporte, escola, lazer e saúde. Sem falar que grande parte
desses moradores sofreram, e estão sofrendo, remoções arbitrárias.
Isso é uma coisa do [Carlos] Lacerda. Eu tiro o pobre de onde me
incomoda e enfio ele lá no quinto dos infernos, sem nada. Foi um erro. O
PT não pode ser titular de uma Secretaria de Habitação que não discute a
questão da cidade como um todo.
O Pezão está propondo um negócio que eu acho interessante, nós vamos
entrar nesse debate, que é fazer um consórcio urbano da região do Porto,
da Leopoldina até a Zona Norte, pegando o terrenos de todas aquelas
fábricas desativadas e os transformando em moradia. Se eles fizerem isso
será um negócio espetacular.
Serão moradias populares ou para atender a classe média?
Disseram que será combinada, o que é bom, o jogo é combinar mesmo. Se
você fizer o Minha Casa, Minha Vida de [faixa] zero a dez, pega a
classe média e pega a faixa mais popular, é espetacular. Você resolve o
problema habitacional da cidade do Rio de Janeiro, quiçá do Estado.
Essa é uma discussão que nós queremos fazer. Porquê, perceba um
coisa: Ser de esquerda não é só proclamar teoria. Não é dizer que é o
bonzão, purinho, que eu quero isso ou quero aquilo. Ser de esquerda é
transformar a vida das pessoas. Só se faz transformação social com
organização popular. Só se organiza o povo com dignidade. Quem tá
fodido, sem moradia, sem comer, não se organiza. A não ser no
banditismo, fora da sociedade. Para organizar o povo para a
transformação social é preciso que as pessoas tenham condições mínimas
de vida. Então temos que construir políticas que deem habitação, que
aumentem o salário, que gerem emprego ou que incentivem o
empreendedorismo popular. Tem que dar educação e formação pros jovens.
Isso que é avançar na luta popular. Então se a gente vai fazer uma
aliança com o Eduardo Paes, e que permita que que essas políticas sejam
implantadas, não vejo problema. Zero problema.
Mas ele mudaria radicalmente de ideais?
Nós vamos entrar se ele não mudar? Porque nós vamos fazer uma aliança se ele não incorporar nossos 13 pontos?
Eu não consigo imaginar o grupo do Eduardo Paes
implementando a tarifa zero na cidade de Rio de Janeiro. Eles parecem
ter uma relação muito próxima com os donos das empresas de ônibus.
Mas vamos propor tarifa zero. Na única conversa que tive com ele,
parece que o caminho dos BRTs ruma pra isso... Vamos apresentar a
proposta e esperar.
Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro empresas de
ônibus, controladas por poucas famílias, são grandes doadoras de
campanha. Não seria necessário romper com elas?
Claro, pra você romper... Aqui eles são grandes doadores contra mim.
Foram derrotados. Mas doam para os meus adversários. É preciso ter
vontade política de enfrentar o poder econômico das empresas de ônibus.
Eles têm muito dinheiro, financiam os políticos, financiam todo o
sistema politico, sobretudo nos municípios e nos estados.
Como funciona o financiamento de campanha? Digamos que eu
seja dono de uma empresa de ônibus, e eu contribua com doações para sua
campanha, e que você seja eleito. Se seu governo for contra meus
interesses, qual é a forma de pressão que eu posso utilizar?
A forma de pressão é a seguinte: o cara chega em você, assim que você
ganhou as eleições, o cara chega e ó: “Te dou cem mil reais por mês pra
você não tocar nos ônibus, não deixar Van entrar, não mudar o sistema.
Não faz nada, deixa como tá. Tem cem paus por mês aí pra comprar o leite
das suas crianças”. É direto. Logo que você senta na mesa aqui tu
recebe a proposta. Aceita quem quer.
E se o Eduardo Paes não aceitar os 13 pontos?
Se ele não aceitar os nossos pontos não tem como fazer aliança sem
acordo político. Aliança não é com base apenas em cargos, embora os
cargos façam parte, para entrar no governo. A gente precisa ter uma
política mista, clara, pra discutir, com qualquer governo, seja com o
Paes ou qualquer aliança que fizermos, inclusive com os nossos próprios
candidatos. Não adianta criticar o Eduardo Paes, se tem um monte de
prefeito do PT que faz exatamente o mesmo, que governa
convencionalmente.
Quais seriam esses prefeitos?
Não vou caguetar meus pares, mas posso dizer que é a maioria dos
nossos prefeitos. O cara não democratiza, não faz políticas sociais
agressivas, não briga com as empresas de ônibus, não aumenta a presença
do Estado de Bem-Estar Social. Os governos do PT não podem fazer o que
qualquer um faz.
O Haddad fez uma grande auditoria nas empresas de ônibus da
cidade de São Paulo, que descobriu irregularidades na taxa de lucros das
empresas, no número de viagens dos ônibus. Você crê que isso faça parte
de um roteiro para alcançar o passe livre?
O Haddad é um cara de esquerda, e é um puta prefeito, que tem
colocado novas discussões na cidade de São Paulo, que é uma cidade
complexa. Obviamente que implantar a tarifa zero lá não é como
implementar aqui em Maricá, que tem 150 mil habitantes, mas dá pra
implantar.
Essa é uma discussão nacional. A presidenta Dilma, que fez o Mais
Médicos, que enfrentou a corporação dos médicos com o Padilha, devia
criar um plano de mobilidade urbana para as médias cidades, que têm
entre 100 e 300 mil habitantes. Implementar nelas a tarifa zero num
primeiro momento, e avançar aos poucos nas grandes cidades, colocando
tarifa zero em alguns trechos das periferias. Podia pegar a Zona Oeste
do Rio e dizer: “Vai ter ônibus de graça”, indicando que em oito anos
vai implantar tarifa zero na cidade inteira. Teria que ter recursos
federais. O próprio Haddad propôs isso – que é uma bela proposta – da
Cide, aquela contribuição sobre a gasolina, voltar para os municípios
que implantarem a tarifa zero. Poderia criar um imposto sobre a folha de
pagamento, já que onde tivesse tarifa zero os empresários não pagariam
mais vale transporte, para ajudar a subsidiar o sistema. Ou seja, o que
tem que fazer é tirar o sistema da mão das empresas privadas.
Transporte publico é um direito, como saúde e educação. Nós queremos
construir um Estado de Bem-Estar Social no Brasil, mas diferente do
modelo europeu. Lá o subsidio era dividido em três terços, um os
empresários, outro o Estado e o último os trabalhadores. Mas lá os
trabalhadores tinham um poder de compra muito grande, vinham acumulando
salário, eles podiam ajudar a subsidiar o sistema. Aqui não. Aqui o
transporte é um impacto imenso no orçamento e na renda do trabalhador.
Com a passagem a R$ 3,40, uma família de cinco pessoas do
conjunto de favelas da Maré, pagando o preço integral das duas conduções
necessárias, gastaria R$ 68,00 para ir e voltar de uma praia na Zona
Sul.
Ela não vai. Em Maricá, se você andar por aí vai ver. Estão comprando
pão com o dinheiro que sobra. Então tem um impacto na vida, no
orçamento das famílias. A tarifa zero é um direito fundamental desse
novo Estado de Bem-Estar Social que nós estamos construindo a duras
penas no Brasil. Então isso devia ser encampado pelo Governo Federal,
junto com municípios e estados que quisessem participar, como foi com o
Mais Médicos.
A presidenta Dilma não está pressionada demais agora para encampar um projeto que mexa com tantos interesses?
Mas é exatamente isso que ela tem que fazer. Se ela quer sair do
canto do ringue, tem que ir para a ofensiva. Ela tem que mostrar pro
povo para que veio.
O senhor acredita na possibilidade de impeachment?
Eu acho que a direita está assanhada. Mas um impeachment da Dilma
significa acabar coma institucionalidade brasileira. Uma parte grande de
nós vai pra clandestinidade. Eu, por exemplo, saio da luta
institucional. Se eles fizerem o impeachment da Dilma nós vamos
organizar a transformação revolucionária no Brasil. Eles querem romper o
pacto institucional no Brasil? Nós topamos. Vão romper e nós vamos
organizar o povo nas ruas. Aí a burguesia que se lasque. Se eles derem
um golpe na Dilma, nós vamos organizar o povo pra porrada.
Muitos criticam os avanços sociais dos 12 anos de governo do
PT por serem apenas “revoluções passivas”, que não alteram a estrutura
da sociedade e nem a concentração de capital. Essa seria uma
oportunidade para o PT voltar a ser mais de esquerda?
Eu acho que existem momentos da vida, como dizia o Gramsci, que a
guerra não é de movimento, a guerra é de posição. Você vai construindo
transformações paulatinas. Nós vivemos esse momento no Brasil, na medida
que você tem institucionalidade, eleições razoavelmente livres, embora o
peso do capital seja muito grande nas eleições. Mas nós também
aprendemos a captar recursos privados, há um certo equilíbrio na disputa
eleitoral. Então você tem como disputar a sociedade. Embora a mídia
seja praticamente toda monopolizada pela burguesia, você tem condições
mínimas de disputa institucional. Enquanto existir isso, está ótimo,
vamos pra disputa institucional. Quando isso é rompido, como querem
fazer com o golpe militar, a esquerda vai pra luta de massa, pra luta
fora da institucionalidade. Se eles quiserem fazer isso nós vamos, nós
já fizemos isso no Brasil várias vezes. Nós vamos para a luta não
institucional. Só que agora é diferente, nós já governamos o Brasil, nós
temos o Lula, nós temos um monte de lideranças populares. Algumas já
incorporadas à burguesia, mas muitas não. Então vai ter muita briga no
Brasil se eles quiserem o impeachment.
O senhor falou para a Carta Capital que enfrentou a máfia
mais antiga da cidade ao implementar a tarifa zero. O senhor sofreu
ameaças?
Várias vezes já tentaram me matar. Pouco antes de eu tomar posse,
estava em Itapuaçu jantando com meu filho, minha mulher, e um casal de
amigos, quando dois caras entraram. Meu segurança conhecia um deles, que
tinha sido expulso do Bope. Os caras entraram pra me matar, só
abortaram a missão porque meus seguranças estavam armados do meu lado.
Depois sofri um monte de ameaças de morte. Hoje em dia não recebo mais.
Meu vice é do PT, sou presidente estadual do PT, se eu morrer não faz
nenhuma diferença. Se eu morrer eles só vão jogar água no moinho.
As concessões para as empresas de ônibus em Maricá vão até 2020, só lá o prefeito poderá fazer uma nova licitação.
Aqui o seguinte: Nossa meta é acabar com o serviço privado. Nós
estamos negociando com a empresa Costa Leste, que está falindo, a compra
do terreno deles pra fazer a garagem da nossa empresa.
Ela está falindo por causa dos ônibus gratuitos?
Ela já estava falindo. Ela presta um péssimo serviço, ela não cumpre
os contratos, os ônibus têm buracos no meio, são horrorosos. Só que
agora com nosso ônibus gratuito piorou a situação deles. Estamos
propondo a compra da garagem deles pra alocar nossos ônibus nessa
garagem. Ao invés de construir, compramos. Temos a perspectiva de não
ter mais ônibus privados, não quero seus ônibus que estão velhos, nem
suas linhas. Eu quero que eles desistam.
Hoje 11 ônibus rodam com tarifa zero em Maricá. Até o fim de seu mandato, em 2016, quantos ônibus o senhor espera ter?
40, e atendendo a 100% da população.
Economicamente, para a empresa Amparo, a maior da cidade, vai ser muito ruim, não?
Problemas deles, não é problema meu. Eu não governo pra eles.
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