Por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Para entender o alcance da votação de hoje na Câmara de
Deputados, convém compreender as propostas do candidato vitorioso, o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).Ao derrotar Arlindo Chinaglia por 267 votos a 136, Eduardo Cunha
cravou a vitória em primeiro turno e deu um golpe duro na agenda de
medidas progressistas que o país debateu nos últimos anos. Cunha teve uma vitória arrasadora. Com cinco votos a mais, teria obtido o dobro do apoio obtido pelo petista Chinaglia. Se o comando da campanha do PT chegou a imaginar uma eleição
emparelhada, o resultado mostra uma situação muito mais adversa e
difícil. A incapacidade de chegar a um segundo turno mostra o vigor do
espírito antigoverno no Congresso.A reeleição de Renan Calheiros, por uma margem igualmente folgada (49
a 31) sobre Luiz Henrique (PMDB-SC), na disputa pela presidência do
Senado, não pode ser desprezada. Mostra que a Casa continua um local de
refúgio para o Planalto proteger seus interesses. A votação na Câmara,
porém, aponta para um governo de mãos atadas.
Do ponto de vista do cidadão, a vitória de Cunha tira espaço para
mudanças essenciais para o país. O novo presidente é adversário absoluto
do ponto principal da reforma política, que consiste em proibir
financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas privadas. A
democratização dos meios de comunicação, que já era um assunto difícil,
tornou-se um debate ainda mais complicado, quem sabe inviável. Cunha
também é contra qualquer mudança nessa área. Ao fazer menção a Deus e à
Sua Vontade durante o discurso em que apresentou sua candidatura, o novo
presidente confirmou que irá cultivar a simpatia de correntes
evangélicas, que se tornaram a ponta de lança do conservadorismo — no
plano do comportamento — no Congresso, a começar pela proteção aos
direitos dos homossexuais e a legalização do aborto.
Cunha já assumiu, publicamente, o compromisso de aprovar projeto que
dá caráter mandatário às emendas parlamentares — a mais conhecida janela
para deputados terem acesso a verbas do Orçamento e irrigar suas bases
eleitorais com recursos públicos, de controle difícil e mesmo
impossível.
Se foi uma vitória incontestável pelos votos obtidos, a vitória de
Eduardo Cunha pode colocar a Câmara numa trilha conservadora com poucos
antecedentes em sua história. Mesmo no regime militar, quando a imprensa
estava sob censura e os generais não hesitavam em cassar mandatos de
parlamentares mais combativos, a Câmara demonstrou uma postura
progressista.
Votou contra a cassação do deputado Marcio Moreira Alves. Em 1984 deu
maioria de votos para a emenda das Diretas-Já, que só não foram
aprovadas porque era preciso atingir o quorum de dois terços. Mas em
1988 fez uma Constituição com vários pontos progressistas, que instituiu
o mais prolongado regime de liberdades públicas de nossa história. Em
2005, quando Severino Cavalcanti derrotou o petista Luiz Eduardo
Greenhalgh e tornou-se presidente da Câmara, os deputados deixaram claro
que queriam atingir o governo — mas não estavam organizados em torno de
uma plataforma conservadora, como a de Eduardo Cunha.
No meio da tarde, quando estava claro que Arlindo Chinaglia
dificilmente chegaria a votação imaginada nos dias anteriores, um
parlamentar fazia uma confissão numa rodinha de colegas: “Eu não gostei
de nada daquilo que a Marta Suplicy disse ao romper com o governo. Mas
sou obrigado a concordar com uma coisa que ela disse: ou o PT muda ou
acaba.”
Para o governo Dilma Rousseff, a vitória de Eduardo Cunha não poderia
ocorrer num momento pior. Aguarda-se para os próximos dias a
divulgação, por parte do Procurador Geral da República, da relação de
dezenas de políticos e autoridades com direito a foro privilegiado que
são acusadas na Operação Lava Jato. Conforme o volume de acusados, e por
sua qualificação na estrutura do governo, pode-se imaginar o tamanho do
estrago a ser produzido quando isso acontecer — e seu reflexo numa
Câmara que ontem mesmo já discutia a reabertura das CPIs da Petrobrás.
O tempo irá dizer como um Congresso com este perfil, à direita, irá
conviver com um país que tem dado sinais à esquerda, como se viu na reta
final eleição presidencial. Não custa observar que as urnas de 2015
repetiram, o mesmo comportamento de três eleições presidenciais
anteriores.
As chances de choque político e paralisia do Estado são grandes, como
se vê nas sucessivas tensões entre o democrata Barack Obama e o
Congresso dos EUA, republicano num padrão radical, onde se assiste a um
conflito semelhante. A diferença reside na postura do Judiciário.
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil a Justiça
tem assumido uma postura de oposição ao governo Lula-Dilma desde o
processo da Ação Penal 470. Em artigo publicado neste domingo o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu apoiar a Operação Lava
Jato como um caminho não apenas para apurar e punir responsabilidades
entre empresas e políticos acusados de corrupção, o que sempre irá
merecer aplauso, mas também para modificar o sistema político,
atribuição que pertence ao Congresso.
FHC escreveu: “ou há uma regeneração ‘por dentro’, governo e partidos
reagem e alteram o que deve ser alterado, ou a mudança virá “de fora”. O
ex-presidente acrescentou: “no passado, seriam golpes militares. Não é o
caso, não é desejável nem se veem sinais.” O presidente conclui:
“Resta, portanto, a Justiça.”
Neste ambiente, o Planalto conseguiu uma vitória importante ao
garantir a vitória de Renan Calheiros no Senado. A maioria no Senado
pode auxiliar o governo a derrubar projetos de lei aprovados pela Câmara
de Deputados, ainda que o preço seja, sempre, algum desgaste.
O Senado
tem a última palavra em diversos matérias financeiras. Renan Calheiros
mostrou sua fidelidade ao Planalto quando impediu a realização de uma
sessão no qual a oposição pretendia debater a mudança no superávit
primário, assunto que poderia colocar, inclusive, forçando um debate
sobre impeachment da presidente. Os membros do Senado ainda tem o poder
de aprovar — ou reprovar — as indicações de Dilma ao Supremo Tribunal.
Já existe uma vaga a ser preenchida, deixada pela aposentadoria de
Joaquim Barbosa. No final do ano, abre-se outra, de Celso de Mello, que
completará 70 anos.
São posições de grande importância, quando se avalia
os próximos passos da Lava Jato. A decisão de aprovar um processo de
julgamento do presidente da Republica necessita do voto de dois terços
dois deputados, ou 342 cabeças. Caso o processo seja aprovado, o
julgamento ocorre no Senado.
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