domingo, 5 de junho de 2011

Liberdade para Cesare Battisti

Neste artigo, que conta com dezenas de assinaturas de apoio, o respeitado jurista Dalmo Dallari  é categórico :  manter Battisti na prisão é farsa processual e ato ilegal de violência, que desmoraliza o STF




Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti formulado pelo governo italiano não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito. E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos.

Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para preservação da dignidade humana. E a simulação de um processo pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado, o que já teve decisão transitada em julgado, agrava essa violência e desmoraliza a Supremo Corte brasileira.

Na realidade, o Supremo Tribunal já esgotou sua competência para decidir sobre esse pedido quando, em sessão de 18 de Novembro de 2009, tomou decisão concedendo autorização para que o Presidente da República pronunciasse a palavra final, com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do Chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália. Estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do Supremo Tribunal Federal no processo gerado pelo pedido de extradição.

Depois disso, em 31 de Dezembro de 2010, o Presidente da República, no exercício de sua competência constitucional privativa, tornou pública sua decisão de negar atendimento ao pedido de extradição de Cesare Battisti. E aqui se torna evidente a dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência. Com efeito, a legalidade da decisão do Presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O Presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão, claramente enunciada, tem por base disposições expressas da Constituição brasileira e das normas legais relativas à extradição, como também do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo Supremo Tribunal Federal e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do Presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação. Apesar da evidente falta de fundamento legal, a Reclamação vem tramitando com a finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva, que já não tem cabimento. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao Presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do Chefe do Executivo se esta fosse concessiva da extradição, o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

Em 18 de Novembro de 2009, o Supremo Tribunal decidiu conceder a autorização, o que foi comunicado ao Chefe do Executivo com o reconhecimento expresso de que tal decisão não impunha ao Presidente a obrigação de extraditar e a observação de que deveria ser considerado o tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália. É importante ressaltar que cabe ao Presidente da República “decidir” e não aplicar burocraticamente uma decisão autorizativa do Supremo Tribunal, o que implica o poder de construir sua própria convicção quanto ao ato que lhe compete praticar, sem estar vinculado aos diferentes motivos que levaram cada Ministro da Suprema Corte a votar num determinado sentido.

Em 31 de Dezembro de 2010 o Presidente da República tomou a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o Chefe do Executivo deixou claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição. Na avaliação do pedido, o Presidente da República levou em conta todo o conjunto de cirscunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, concluindo que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita. Desde então, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continuasse preso. Cesare Battisti deveria ter sido libertado imediatamente, em respeito ao Direito e à Justiça.

Por todos esses motivos e fundamentos, fica evidente que a continuação da discussão do pedido de extradição de Battisti no Supremo Tribunal Federal e sua manutenção na prisão não têm qualquer fundamento jurídico, só encontrando justificativa na prevalência de interesses contrários à ética e ao Direito. Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do Supremo Tribunal Federal impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.

Assinam:

  • Paulo Eduardo Arantes (Professor da Universidade de São Paulo)
  • Chico César (Músico, cantor e compositor)
  • João Pedro Stedile (MST e Via Campesina-BR)
  • Michael Löwy (Sociólogo)
  • José Celso Martinez (Ator, autor e diretor de teatro)
  • Genival Oliveira Gonçalves – GOG (Cantor de Rap)
  • Dom Tomás Balduíno (Bispo emérito de Goiás)
  • Ricardo Antunes (Professor da Universidade de Campinas)
  • Luiza Erundina (Dep. Federal e ex-prefeita de São Paulo-SP)
  • Marcos Del Roio (Professor da Universidade Estadual Paulista – Marília)
  • Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (Professor da PUC-SP)
  • Heloísa Fernandes (Socióloga, professora aposentada da USP e colaboradora da Escola Nacional Florestan Fernandes)
  • Armando Boito Júnior (Professor da Universidade de Campinas)
  • Anita Leocádia Prestes (Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
  • Osvaldo Coggiola (Professor da Universidade de São Paulo)
  • José Arbex Jr. (Jornalista)
  • Aton Fon Filho (Ex-preso político e Diretor Jurídico da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos)
  • Francisco Miraglia (Professor da Universidade de São Paulo)
  • Isabel Loureiro (Professora da Universidade de Campinas)
  • Beatriz Tragtenberg (Atriz)
  • Frei Betto (Escritor)
  • Marcelo Buzetto (MST – São Paulo)
  • Maria Orlanda Pinassi (Professora da Universidade Estadual Paulista – Araraquara)
  • Luiz Gonzaga da Silva (Gegê – Movimento de Moradia do Centro-SP)
  • Suzana Keniger Lisbôa (Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos)
  • Milton Barbosa (Movimento Negro Unificado – Nacional)
  • Caio N. de Toledo (Professor da Universidade de Campinas)
  • Alípio Freire (Jornalista e Ex-Preso Político)
  • João Bernardo (Escritor)
  • Maria Batriz Costa Abramides (Professora e Presidente da APROPUC/SP)
  • Pedro Ivo Batista (Ambientalista, Coordenação da Rede Brasileira de Ecossocialistas e da Rede Brasileira de Integração dos Povos)
  • Jair Pinheiro (Professor da Universidade Estadual Paulista – Marília)
  • Vladimir Sacchetta (Historiador e jornalista)
  • Pedro Munhoz (Músico e compositor)
  • Rosalina de Santa Cruz (Ex-presa política, Secretária Municipal de São Paulo da gestão Erundina)
  • Ricardo Gebrim (Consulta Popular)
  • Vera Lúcia Vieria (Historiadora da PUC-SP)
  • Marcio Sotelo Felippe (Ex- procurador geral do Estado de São Paulo 1995-2000)
  • Giane Alvares Ambrósio Alvares (Advogada)
  • Danilo da Conceição Serejo Lopes (Advogado)
  • João Paulo do Vale de Medeiros (Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)
  • Romero Venâncio (Professor da Universidade Federal de Sergipe)
  • Luiz Carlos Pinheiro Machado (ex-presidente da Embrapa, professor catedrático aposentado da UFRGS e da UFSC)
  • Aurélio Fernandes (MTST e Resistência Urbana)
  • Cleber A. R. Folgado (Movimento dos Pequenos Agricultores e Via Campesina-BR)
  • Marcelo Botosso (Historiador)
  • Adelaide Gonçalves (Historiadora da Universidade Federal do Ceará)
  • Rogério Antonio Mauro (Professor do Instituto Federal Goiano)
  • Regina Lúcia (Movimento Negro Unificado – SP)
  • Pedro Jorge de Freitas (Professor da Universidade Estadual de Maringá)
  • Antonio Carlos Mazzeo (Professor da Universidade Estadual Paulista – Marília)
  • Miryám Hess (Conselheira do Conselho da Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas)
  • Mauro Rodrigues de Aguiar (Frente em Defesa do Povo Palestino)
  • Eliel Machado (Professor da Universidade Estadual de Londrina)
  • Andréia Galvão (Professora da Universidade de Campinas)
  • Paulo Ribeiro da Cunha (Professor da Universidade Estadual Paulista – Marília)
  • João Alberto da Costa Pinto (Professor da Universidade Federal de Goiás)
  • Bruno Lima Rocha (Professor da Unisinos – RS)
  • José Carlos Mendonça (Pesquisador do LASTRO-Universidade Federal de Santa Catarina)
  • Paula Regina Pereira Marcelino (Professora da Universidade de São Paulo)
  • Tito Flávio Bellini (Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro)
  • Horacio Martins de Carvalho (Engenheiro Agrônomo e Consultor Movimentos Sociais no Campo)
  • Luiz Jorge Pessoa de Mendonça (Professor da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
  • Prudente Mello (Escritório Defesa da Classe Trabalhadora)
  • Márcio Aguiar (Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares de Ceará)
  • Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araujo (Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA)
  • Mario Augusto Jakobskind (Conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa- ABI e Diretor do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro)
  • Tânia H. N. Jardim (Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Puc-RJ)
  • Iraldo Alberto Alves Matias (Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina)
  • Danilo Enrico Martuscelli (Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul)
  • Mercedes Lima (Advogada OAB – 29.609)
  • Cassio Brancaleone (Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul)
  • Edson Albertão (Professor e Ex-Vereador de Guarulhos-SP)
  • José Galdino (Frente em Defesa do Povo Palestino)
  • Wagner da Silva Teixeira (Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro)
  • Vera Lúcia Vieira (Professora da PUC-SP)

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