quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O vírus que contamina as Forças Armadas

Que tal um vírus classista, que poupa oficiais, mas castiga pobres recrutas ? A síndrome respiratória que vitimou 62 recrutas do Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves ( Ciampa), em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, joga luz sobre um  problema raramente encarado com a seriedade que merece : o déficit de consciência cidadã e o pouco apreço das nossas Forças Armadas pelos direitos humanos. Infelizmente, a submissão plena e constitucional das três forças ao poder civil ainda é uma obra inconclusa no Brasil. O desafio do competente e preparado ministro Celso Amorim é dos mais complexos, uma vez que na passagem do boquirroto ministro Nelson Jobim pela pasta da Defesa tímidos avanços foram registrados em direção à efetiva democratização das Forças Armadas.

Nas escolas e academias militares, o golpe de 1964 ainda é tratado como revolução. Antes de a presidenta Dilma baixar decreto proibindo as casernas de comemorarem o 31 de março, as famigeradas "ordens do dia" expunham o saudosismo militar dos tempos em que a doutrina de segurança nacional justificava quaisquer atropelos ao estado democrático de direito. Pois a essência dessa doutrina ainda está impregnada em nossos quartéis, vinte e seis anos depois do fim da ditadura.

Tortura é o mais hedionda das modalidades criminosas, por isso, pelas leis e convenções internacionais, figura na categoria de imprescritível  e é tida como de lesa-humanidade. Isso explica, inclusive, a jurisdição das mesmas pelos tribunais penais internacionais. E sem meias palavras : os depoimentos dos familiares desses recrutas da Marinha, denunciando maus tratos, violência nas instruções e até falta d'água revelam como a tortura ainda faz parte do modus operandi dos quartéis.

Vire e mexe, deparamos com notícias de militares mortos em treinamentos. Mesmo na nossa vida cotidiana, quem nunca ouviu relatos de gente das nossas relações pessoais dando conta de barbaridades sofridas por amigos e parentes durante instruções militares ? O que aconteceu com esses mais de 60 aspirantes a fuzileiro naval é o padrão, é a regra, não a exceção nos cursos de formação das Forças Armadas brasileiras, e também das policias militares.

Num quadro desses, no qual pontilham focos objetivos e subjetivos de resistência à subordinação do Exército, Marinha e Aeronáutica ao poder civil, imaginem como foi deletéria a gestão de um ministro da Defesa que se travestia de milico diante dos holofotes, se perfilava com os comandantes contra planos de direitos humanos e comissão da verdade e ameaçava com a eclosão de crises institucionais geradas por demissões coletivas. Cabe agora ao ministro Amorim, com o total respaldo da presidenta Dilma, recuperar este tempo perdido.

Li, não lembro bem onde, acho que foi de um leitor de Carta Capital e reproduzo aqui : "A resistência da mádia à indicação de Celso Amrim para o Ministério das Relações Exteriores é o prova cabal de que a presidenta não podia ter feito escolha melhor."










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