domingo, 30 de outubro de 2011

Primavera Árabe e massacre na Líbia

Ativistas das mídias digitais que participaram “no terreno” da Primavera Árabe e de lutas democráticas no Paquistão atraíram as atenções na segunda mesa de debates, da parte da tarde do dia 28, durante o Encontro Mundial de Blogueiros, em Foz do Iguaçu. O jornalista Pablo Escobar falou sobre geopolítica e Líbia.


Ahemed Bagal trouxe sua experiência na revolução recente em seu país, o Egito. “ Criamos um grupo de protesto e passamos a publicar, no meu caso no facebook, matérias sobre os protestos. Não tenho blog, mas me considero um ativista da informação”, disse Ahemed, para quem os acontecimentos da Tunísia serviram como “grande exemplo e inspiração.” Para se ter uma ideia da velocidade dos acontecimentos Egito, até 2005 era proibido citar o nome do ditador Osni Mubarak nas manifestações de rua.

Ele se disse surpreso com o número de pessoas que as redes sociais colocaram nas ruas, citando especialmente o dia 25 de janeiro como o ápice deste fenômeno. “Nem mesmo quando a ditadura cortou o sinal da internet o  movimento arrefeceu.Criamos uma rede de convocação por telefone pela qual era possível saber onde estavam e o que pretendiam fazer os principais ativistas.” Por fim, Ahemed revelou extrema preocupação com os rumos da revolução : “ os militares estão matando ativistas e colocando as pessoas na cadeia.”

Na seqüência do debate, um militante saudita, cujo nome também é Ahemed, se mostrou cauteloso  no que se refere à possibilidade de a revolução árabe chegar ao seu país, pelo menos no curto prazo : “Embora a gente venha recebendo ajuda da militância da Tunísia e do Egito, é importante esclarecer que o processo não está indo tão bem em todos os lugares. Nós temos similaridades, mas também diferenças”, explicou.

Ahemed identifica  problemas comuns ao seu país e aos outros da Primavera Árabe : a falta de emprego, de liberdade e de justiça. Mas ressaltou que, diferentemente do Egito, na Arábia Saudita a sociedade civil ainda é muito débil, razão pela qual não é tão fácil a articulação entre as pessoas. Contudo, ele saudou o desafio das mulheres ao regime quando desobedecerem coletivamente a lei que as impede de dirigir carros. “ O resultado foi que elas ganharam o direito ao voto e à participação nos conselhos.”

Depois de exibir um vídeo contendo os dados na participação do seu país nas mídias digitais, o paquistanês Mohamed falou do imenso potencial do Paquistão para explorar essas ferramentas. Segundo o ativista, todos os dias novos blogs e usuários de twitter surgem no país. “ O governo percebeu isso e está censurando websites”, denunciou. Como exemplo de ação concreta impulsionada pelas mídias sociais, ele citou o caso de uma marcha de advogados que seguiu até a sede do Parlamento, conquistando o apoio de setores expressivos da sociedade civil.

Num país onde o presidente já chegou a proibir o facebook e o ministro do Interior alertou que, na sua visão, o governo tem o direito de tirar as mídias sociais do ar, está claro que os ativistas têm um longo caminho pela frente nas lutas por liberdade e democracia. Sem falar na tensão permanente causada pela relação com os EUA, cujo alegado interesse estratégico na região tem provocado seguidas violações da soberania paquistanesa.

O jornalista Pepe Escobar, especializado em assuntos internacionais, abriu sua intervenção apontando a região do mundo que o Pentágono considera como o “Arco da Instabilidade”. Curiosamente os países dos seus três parceiros de mesa de debates integram esse grupo : Paquistão, Egito e Arábia Saudita. Escobar chamou a atenção para o fato de o arco ter começado a mudar com o advento da Primavera Árabe, algo com o qual os estrategistas americanos não contavam.

- No auge da crise no Egito, os EUA ainda queriam que o substituto de Mubarak fosse Omar Suleiman, simplesmente o chefe da tortura da ditadura do regime – destacou. Sobre as intervenções americanas, ele disse que os EUA já tinham prontos os planos para a invasão do Iraque dois anos antes de iniciar efetivamente a ocupação. O objetivo da doutrina Bush era criar uma área de controle e influência direta, o Grande Oriente Médio.

Sobre a Líbia, Escobar afirmou que a partir de um conjunto de fontes e evidências é possível chegar a conclusões sobre o que aconteceu naquele país.
“No início, um ex-chefe militar líbio em visita a Paris tramou com as autoridades francesas um golpe militar contra o Kadafi. Isso em outubro de 2010. Depois, vieram os protestos de jovens do leste da Líbia, num movimento que reivindicava, especialmente, mais liberdade e democracia. Só que esse movimento espontâneo de Benghazi foi apropriado por agentes de inteligência da CIA, da França e do Reino Unido. Essa articulação foi reforçada por gente treinada pela Al Qaeda em passado recente.

A ideia do golpe, então, deu lugar a uma ação mais complexa : a aposta numa guerra civil entre as duas regiões da Líbia tradicionalmente rivais : leste e oeste. Aí chamaram a Otan, sob a justificativa, aliás jamais provada, de que Kadafi planejava um massacre em Benghazi. O caminho estava aberto, portanto, para a Otan, EUA, Reino Unido e França, cada um com seu interesse específico.”

A Otan meses antes havia se reunido em Portugal. Em pauta estava a discussão sobre os planos de moldar o mar mediterrâneo aos seus interesses, num projeto conhecido como “mar nosso”. Faltava, porém, dobrar a Líbia, a Síria e o Líbano e Síria. Daí em diante, cada um passou a olhar para sua parte no butim líbio : a Otan queria construir uma base na Líbia, a França estava contrariada com Kadafi por vários motivos, entre eles, o recuo líbio em relação à compra dos jatos franceses Rafalle. Já o Reino Unido mirava os contratos de petróleo.

- A Itália é um caso à parte. Berlusconi, aliado de Kadafi, não tinha motivos para embarcar nessa. Cerca de 35% do petróleo líbio era exportado para a Itália. Também se encontra em pleno funcionamento um gasoduto ligando a Líbia à Itália. Berlusconi, mesmo a contragosto, foi forçado pelos parceiros da Otan a aderir. A Aliança Atlântica também estava de olho na base aérea de Nápoles, localizada em posição estratégica para atacar o território líbio. Foi de lá, efetivamente, que partiram os ataques – conta Escobar.

Forças especiais do Catar ( fato não informado pela mídia ocidental) também participaram das operações. Inclusive, segundo Escobar, foram essas forças do Catar que prenderam  e atiraram nas duas pernas de Kadafi, para que ele não fugisse. “Temos informações de que Kadafi recebera propostas de bandeira branca por parte da Otan . Mas seu comboio acabou bombardeado pelas próprias forças da Aliança Atlântica. O resultado dos milhares de bombardeios da Otan sobre a Líbia foi devastador, deixando pelo menos 48 mil mortos. Ou seja, a operação que se pretendia preventiva, para evitar o massacre  de mil líbios, terminou matando 48 mil civis.”

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