sábado, 24 de março de 2012

O dedo podre do acusador

É aquela história : falso moralista tem vida curta. Ora, ora, quem diria, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), conhecido tribuno do Senado, que parecia incorporar Cícero quando vociferava contra a corrupção e em defesa dos “bons costumes” na política, é flagrado por escutas da Polícia Federal  articulando patranhas com Carlinhos Cachoeira, notório explorador de jogos eletrônicos ilegais. O caso é de extrema gravidade : matéria do jornalista Leandro Fortes, publicada no site de Carta Capital, revela, com base em relatórios da PF, que Demóstenes embolsou nada menos do que 30% do esquema movimentado por Cachoeira, algo em torno de R$ 50 milhões, nos últimos anos.

Outra face estarrecedora do episódio é a omissão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Reeditando as piores práticas do “engavetador-geral” da República dos tempos de FHC, Geraldo Brindeiro, Gurgel recebeu o conteúdo do trabalho da PF em 15 de setembro de 2009. No entanto, em vez de encaminhar os documentos ao STF pedindo abertura de inquérito, sentou em cima da investigação, ignorando todos os fortes indícios de prova contra o senador goiano.

Dependendo da coloração partidária e do posicionamento político, um enorme fosse separa os tipos de procedimentos adotados pelo procurador-geral .Em relação aos ministros do governo acusados de malfeitos, ele é rápido no gatilho, mas quando é a casa de um oposicionista virulento que cai, a investigação dorme na gaveta por longos três anos. Procederiam muito bem, diga-se de passagem, os advogados de defesa dos réus do mensalão se levantassem a tese da suspeição do procurador-geral, uma vez que ele próprio já adiantou que vai pegar pesado na sua peça de acusação.

A violação funcional cometida por Gurgel, que tinha a obrigação de encaminhar o relatório da PF ao STF, revela um critério seletivo absolutamente incompatível com as atribuições de um chefe da Procuradoria-Geral da República. A nota emitida pela PGR nesta sexta-feira chega a ser risível ao alegar questões de ordem estratégica para o engavetamento. Decididamente, o Brasil não vem sendo afortunado em termos de chefes do Ministério Público Federal. Um não conseguiu reunir provas para condenar Collor (Aristides Junqueira); outro, paladino do atraso, se bateu contra as pesquisas com células-troco (Cláudio Fontelles); e o atual protege a oposição.

Chega a ser divertido assistir o constrangimento do PIG desde que vieram à tona as ligações entre Demóstenes e Cachoeira. Queridinho e fonte permanente da velha mídia para notícias denuncistas contra Lula, Dilma, PT e aliados, Demóstenes ganhou espaços generosos quando subiu à tribuna para se defender, embora tenha admitido receber regalos de Cachoeira. “A boa educação manda que não se pergunte o preço dos presentes”, disse. Uma semana depois, diante das novas revelações, até o JN se viu forçado a mostrar que mais um udenista de carteirinha está em maus lençóis. Bem feito.

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