quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ratos começam a deixar o porão

Mesmo ainda não instalada, a Comissão da Verdade começa a dar frutos. Velhos criminosos, às voltas com seus fantasmas e pesadelos, saem da toca para tentar espiar suas culpas. É o caso do ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo e do Dops, Cláudio Guerra, que está lançando um livro ("Memórias de uma guerra suja"), no qual faz revelações aterradoras sobre o desaparecimento e morte de opositores do regime. Aproveito para expressar toda minha solidariedade e sentimentos aos familiares dos militantes desaparecidos que, ao abrirem os jornais de hoje (3/5), tomaram conhecimento de que seus entequeridos tiveram seus corpos incinerados numa usina de cana de açúcar de Campos, no Norte Fluminense.

As revelações não só confirmam pela enésima vez a brutalidade dos facínoras que agiam a soldo da repressão, como mostram o acerto da presidenta Dilma ao mandar para o Congresso mensagem criando a Comissão da Verdade. A comissão, além de um encontro do Brasil com a sua memória e sua história, certamente será visto pelas futuras gerações como um resgate humanitário, cívico e republicano do direito da sociedade e dos familiares dos sequestrados, mortos e desaparecidos de saberam em que circunstâncias esses crimes se deram, quem são os criminosos e seus mandantes, quem os financiou e acobertou.

 Isso por enquanto, uma vez que cedo ou tarde o Brasil terá que se curvar à sua condição de signatário da Covenção de Direitos Humanos da OEA, cujas resoluções condenando o Estado brasileiro não dão margem a dúvidas quanto à  necessidade de revisão da  lei de anistia, que beneficiou autores de crimes de lesa humanidade.

Hoje, me peguei a imaginar a dor da saudosa amiga e ilustre brasileira Heloneida Studart, que se ainda estivesse entre nós viria a saber que seu grande amigo e companheiro Luis Ignácio Maranhão Filho, ex-dirigente do PCB, teve seus restos mortais incinerados. Faço ideia também do aperto no peito sentido pelo brilhante advogado Luis Felipe Santa Cruz, cujo pai, Fernando Santa Cruz, também consta da macabra lista apontada pelo ex-delegado.

 E o ex-prefeito de Santos, e militante de toda uma vida em defesa da saúde pública, David Capistrano Filho, que morreu em 2002 ciente de que o seu pai (David Capistrano) havia sido mutilado pelas bestas-feras da ditadura ? Como não havia limites para as barbaridades cometidas pela repressão, sabemos agora que o corpo do dirigente comunista também foi queimado em Campos, mesmo destino de João Batista, Joaquim Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva. João Massena Mello, José Roman e Eduardo Coller Filho.

Esse episódio joga luz também sobre outro aspecto do esquema montado para eliminar os opostiores do regime : a participação da sociedade, de políticos civis e de empresários no seu financiamento, o que, aliás, está entre os focos das investigações a serem realizadas pela Comissão da Verdade. No livro, o ex-delegado diz com todas as letras que os fornos da usina lhes foram cedidos pelo seu proprietário, o usineiro Heli Ribeiro Gomes, falecido em 1992, que foi vice governador do Estado do Rio, deputado pelo PTB e filiado à Arena e ao PFL.


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