sexta-feira, 10 de agosto de 2012

No que se transformou o mp (assim mesmo, com minúsculas)

As letras minúsculas com que resolvi grafar as iniciais de  ministério público são propositais. Na verdade, proporcionais à atuação de uma instituição criada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988 para ser uma espécie de guardiã da Constituição brasileira. A intenção dos constituintes era dotar a sociedade de um instrumento que, de forma independente do Judiciário, zelasse pelos direitos humanos e defendesse o meio ambiente, o consumidor, os negros, os sem-terra, os indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, as mulheres, as crianças e os adolescentes. Em suma, o povo brasileiro ganhava um estuário institucional de peso para as suas demandas. Vinte e quatro anos depois, no entanto, com várias e honrosas exceções, o conjunto de seus procuradores se  enredou numa teia medíocre de interesses partidários e de conluio com a mídia tucana, cuja consequência direta foi seu abastardamento. Hoje o mp é uma ferramenta  partidarizada a serviço da direita e do udenismo moralista.

 Primeiro é preciso pontuar a função precípua e constitucional do mp que é a da apresentar denúncias e queixas-crime à Justiça, a quem cabe a aceitação ou não dessas demandas.Inebriados pelos holofotes da mídia, contudo, os rapozotes imberbes do mp, em geral  preprarados nos colégios exclusivos da classe média  alta e egressos das boas universidades públicas, logo inflam seus egos  e trocam os pés pelas mãos. Indício vira prova, suspeita se transforma em culpa, hipóteses assumem ares de fatos consumados. Quando a leviandade da imprensa começa a tratar as versões do mp como realidade inquestionável, aí mesmo é que os doutores mauriçolas enchem o peito de soberba. Nosso lixo midiático cumpre o seu papel : acusação do mp é inquestionável, ao passo que o direito ao contraditório exercido pela defesa é quase sempre tachado de manobra.

Para ingressar no mp, vale observar, não se exige experiência de um dia sequer nas lides advocatícias. Basta a aprovação em concurso. Todas as carreiras profissionais que se conhece valorizam a experiência, a tarimba, aquele tipo de acúmulo profissional que só o dia a dia da labuta traz. É aquela história : conhecimento e preparo técnico se adquirem com estudos e dedicação acadêmica, mas a sabedoria, no sentido mais amplo e humano do termo, só vem com o passar do tempo. Nada contra a impetuosidade, o idealismo e o vigor da juventude. Pelo contrário. O problema é o nível de responsabilidade acusatória assumido por recém-nomeados procuradores, cujo conhecimento de direito se limita ao campo teórico. Ou seja, falta um plano de carreira e ascensão funcional que vá, gradativamente, incumbindo os membros do mp de tarefas progressivamente mais complexas. Do mesmo mal padece, aliás, a magistratura.

Vamos aos fatos : por que será que o mp não se empenha da mesma maneira quando o caso envolve personagens e partidos ligados à oposição ao governo federal ? Está aí o mensalão do PSDB de Minas Gerais caminhando para a prescrição, depois de ter sido desmembrado. É importante assinalar que o caso é seis anos mais antigo do que o mensalão petista. O que dizer também de seções estaduais do mp como a de São Paulo ? Lá até as paredes dos Palácio Bandeirantes, sede do governo paulista, sabem que o mp é um braço aliado dos tucanos desde sempre.

O fosso que separa as atuações do mp tem contornos nitidamente partidários. Senão vejamos : em relação ao caso Celso Daniel, prevalece a insistência na tese de crime político, contrariando todas as evidências de crime comum apuradas pela perícia e pela polícia . Também no que se refere ao caso da cooperativa habitacional Bancop, ligada ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, o mp dispara acusações pesadas de desvio de dinheiro para fins partidários e enriquecimento pessoal. Quando o assunto envolve gente ligada ao PT, portanto, o mp paulista é contundente e rápido no gatilho. Já quando o objeto das investigações são patranhas tucanas a conversa é outra. Por isso, ganharam o fundo da gaveta do mp casos como as estrepolias de Paulo Petro na Dersa, o desabamento do buraco do Metrô, os desvios na construção do Rodoanel, a compra de emendas parlamentares na Alesp, os preços extorsivos dos pedágios paulistas e tantos outros. Tamanho descompasso só acontece porque o mp age como partido político.

Outra coisa escabrosa é a tal cartilha do mp federal, postada no site da instituição, voltada para o público infantil. A partir da ideia nobre de aproximar o mp da vida das pessoas, comete-se um verdadeiro atentado à sua função institucional, ferindo de morte premissas constitucionais como a presunção da inocência e o direito à ampla defesa. Ao tentar explicar para a criançada o que é a Ação Penal 470, conhecida como mensalão, os procuradores apresentam apenas a versão que lhes interessa e condenam antecipadamente os réus, usando para isso até infográficos. Tudo com dinheiro público. Palmas para o deputado federal  Cândido Vacarezza, do PT, que entrou com uma ação contra o mp federal. É isso aí. É preciso mostrar para a sociedade o que há por da pose de anjo de candura típica dos membros do mp.

Um comentário:

  1. Bepara,
    acho que você pega em um ponto nevrálgico logo no início de seu (ótimo) texto. O MP e a magistratura hoje são formados por profissionais do direito criados a danoninho.
    Em 2009, a CUT e o sindicato dos bancários de SP organizaram um seminário sobre Interdito Proibitório X Direito de Greve. Nesse seminário em uma das falas o presidente da OAB nacional Cézar Brito dizia que os hoje juízes do trabalho, em ampla maioria, oriundos da classe média passaram sua infância e juventude vendo seus pais reclamarem de como a greve afeta a produção, afeta diretamente sua família, visto que o trabalhador, preguiçoso, não quer trabalhar e o empresário, pai desse futuro juiz, tem seu lucro afetado pela necessidade de conceder aumentos a esses preguiçosos.
    Esse hoje juiz, passou pela sua escola, viu seu pai pagar seu cursinho pré-vestibular, sua faculdade e seu cursinho preparatório para o concurso público da magistratura reclamando de como a greve afetava o padrão de vida da sua família. Como será que esse "doutor" vai se posicionar frente a uma greve quando lhe for exigido ?
    Acho que essa consideração é a mesma no campo do mp (assim em minúsculas letras mesmo) quanto aos tribunais. Como você imagina um desses doutores criados a danoninho olhando para o PT ?!?!
    Como disse o Pacheco, advogado do José Genoíno: Se é bruxa queima, se é judeu mata, se é presidente do PT bota na cadeia.

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