terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Cabeça de burro enterrada"


Tomei emprestado o título acima do universo místico do futebol. Quando nada dá certo para um determinado time, é comum entre os boleiros se dizer que há uma “cabeça de burro” enterrada no estádio desse clube azarado. Mas os resultados abaixo da expectativa colhidos pelo PT do Estado do Rio de Janeiro, especialmente se comparados com a ótima votação nacional alcançada, não podem ser vistos como obra e graça do “Sobrenatural de Almeida”, do genial Nelson Rodrigues. É no mundo real, analisando as escolhas e opções dos militantes e dirigentes do PT no estado que tentaremos contribuir com o debate pós-eleitoral que o partido terá de enfrentar.

Ao contrário das seções petistas da grande maioria dos estados do país, no Rio o partido jamais elegeu um prefeito da capital ou um governador. Chegamos a governar o estado por oito meses, em 2002, com Benedita da Silva, que se elegera vice-governadora em 1998. Mas isso é outra história. Encabeçando a chapa, jamais chegamos lá. Se é verdade que o PT elegeu senadores em 1994 e 2010 ( Benedita e Lindberg, respectivamente), também é fato que as nossas chapas proporcionais de candidatos a vereador e deputados estaduais e federais vêm obtendo votações declinantes, com a consequente redução do número de parlamentares eleitos.

Uns dizem que o PT do Rio tem a vocação do erro. Erra invariavelmente na tática eleitoral. Coisas do tipo, quando a conjuntura eleitoral requer candidatura própria, cede a cabeça de chapa na aliança majoritária; já em situações em que a realidade indica a aliança como mais conveniente, opta por lançar nomes do partido. Confesso que essa justificativa determinista não me seduz, embora seja inegável que o PT no estado já derrapou feio na hora de definir sua tática eleitoral.

O problema é que no caso do PT “o buraco é muito mais embaixo”. Aqui evitarei o caminho fácil das explicações saudosistas que não levam em conta as mudanças na conjuntura e as transformações sociais, econômicas e políticas vividas pelo Brasil ao longo dos 32 anos de vida do Partido dos Trabalhadores. Sei que não volta mais o tempo de um partido de quadros abnegados, os quais independentemente das suas ocupações profissionais ou escolares, abraçavam a militância partidária com garra e compromiso comoventes. Pudera, a tarefa de leão era resistir e derrotar a ditadura, conquistar e consolidar a democracia e construir um partido nacional. Hoje o PT é um dos mais importantes partidos de massas do mundo, governa o Brasil há 10 anos e lidera um projeto democrático-popular que está mudando o Brasil.

Fazendo, portanto, a ressalva de que o cenário histórico de um partido com presença tão vigorosa no cotidiano das lutas populares, sindicais e estudantis não se repetirá, tampouco podemos nos acomodar com a ausência quase total do partido nessas lutas. Burocratizado e aprisionado pela armadilha da institucionalização exagerada, o PT desapareceu das manifestações de rua, por exemplo.

Já cobri como jornalista, para a CUT-RJ, eventos de A a Z organizados pelos movimentos sociais e entidades da sociedade, tais como atos em defesa da Palestina, da Petrobras, dos trabalhadores ambulantes, dos royalties do petróleo do Rio, de trabalhadores em greve, da democratização das comunicações, da reforma agrária e contra empresas que poluem e destróem a saúde dos trabalhadores, entre tantos outros. E em nenhum deles vimos uma bandeira sequer com a estrela do partido.

Há muito o PT, que nasceu das lutas sindicais, não dá as caras nas manifestações do Dia do Trabalhador, em 1º de maio, e não é notado nem mesmo em megaeventos como a Conferência Rio +20. Alheio às mobilizações da sociedade, toda energia militante do partido no estado é gasta nos embates eleitorais. E quando uma eleição termina o que importa são os conchavos e as articulações para a próxima.

Boa parte dos militantes que alcança algum destaque na vida partidária logo abraça o projeto de sair candidato a algum cargo eletivo. É evidente que se trata de pretensão legítima e até bem-vinda e necessária para um partido que disputa o poder seguindo as regras democráticas e republicanas. O problema é que se disseminou no partido a visão distorcida de que para ser militante nível A só conquistando um mandato.

A propósito, vale observar que os mandatos parlamentares se transformaram numa espécie de empreendimentos políticos que vicejam à margem do partido. Reparem que o objetivo central, a prioridade do mandado do recém-empossado é a reprodução do seu mandato, para a qual ele é capaz de mover mundos e fundos. Em nome da carreira no parlamento, ele flexibiliza posições políticas, dá de ombros a causas que defendeu por toda uma vida e foca sua atuação política em espaços com potencial de reprodução de votos. Exceções existem, é claro, mas contam-se nos dedos.

O Rio de Janeiro talvez seja a capital brasileira na qual o desgaste do partido junto a setores formadores de opinião da classe média seja mais acentuado. Resultado do bombardeio midiático contra o PT, que sempre existiu, mas que ganhou ares de linchamento desde 2005 com o “mensalão”, o exôdo desse estrato social, que já foi base eleitoral e política do partido no município, abriu caminho para o crescimento do esquerdismo irresponsável ou do udenismo de direita.

E qual é a política formulada e implementada pelo partido para enfrentar o debate com esses setores ? Rigorosamente nenhuma. Ora, não é preciso ser “capa preta” para perceber que propostas voltadas para a segurança pública ou a redução e a racionalização tributária soam como música aos ouvidos da classe média. O PT também assiste passivamente a adesão em massa dos jovens cariocas ao discurso vazio e pretensamente revolucionário do Psol, abdicando de disputar o imaginário desses meninos e meninas com políticas de cultura, lazer e de sustentabilidade ambiental, que estão, seguramente, no centro do raio de interesses da juventude.

Aí chegamos ao xis da questão. Como abandonou as lutas cotidianas no seio do povo, junto aos trabalhadores e às comunidades pobres, resta ao PT do Rio garimpar votos nas áreas populares brandindo a imagem e as realizações de Lula, principalmente, e Dilma. Só que esse espólio é disputado não só pelos partidos aliados, mas também por aventureiros e picaretas de todos os matizes. Sem falar no rolo compressor dos chamados políticos de “centro social”, das milícias e do tráfico.

O resultado obtido nas eleições para a Câmara dos Vereadores do Rio é reflexo desta crise de credibilidade e, por que não dizer, de identidade do partido. Dos quatro eleitos, apenas um pode ser considerado efetivamente um parlamentar do Partido dos Trabalhadores. Acho bom o PT se tocar. Está passando da hora de uma reflexão séria sobre os rumos do partido no Rio. Dentro de muito pouco tempo, pode ser tarde.

Um comentário:

  1. Que saudade do antigo PT! Que saudade da CUT combativa e parceira dos movimentos dos trabalhadores! O Rio é um caso à parte: temos uma representação política atrasada e que usa o curral eleitoral como ferramenta de domínio. O PT não precisa disso. Precisa é conversar com a base, discutir os caminhos. Procurar soluções DEMOCRÁTICAS e não impor soluções. Precisa de renovação. Eu mesma já conversei com diversos companheiros que gostaria de me filiar, infelizmente a resposta foi nenhuma......

    ResponderExcluir