Por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Deixando fatores religiosos de lado, cabe reparar que a escolha de Jorge
Mario Bergoglio terá imensas consequências políticas para brasileiros e
argentinos.No Brasil, a escolha privou os adversários de Dilma
Rousseff de um aliado seguro, que seria representado pelo cardeal Odilo
Scherer. A possível escolha de dom Odilo foi acompanhada com
uma esperança inusitada por parte dos meios de comunicação, engrossando
um coral de cálculos em voz baixa elaborados por políticos de oposição e
personalidades próximas.
A ideia era que um papa brasileiro,
como dom Odilo, poderia ser um ótimo contraponto na campanha de 2014 –
quando o país deve assistir a um novo esforço dos adversários do governo
para silenciar Lula, personalidade que possui uma estatura que nenhum
rival conseguiu alcançar até o momento, pelo menos.
Imagine um
papa – a quem muitos católicos enxergam como a voz de Deus na Terra –
fazendo pronunciamentos e declarações desfavoráveis ao governo Dilma.
Seria uma ajuda e tanto, vamos combinar. Bento XVI chegou a ensaiar
movimentos nesta direção, em 2010, deixando clara sua preferência pelos
adversários de Dilma.
Dois bispos, em Guarulhos e na Paraíba,
fizeram campanha direta e explícita contra a presidente. Um terceiro
bispo, que assumiu uma postura oposta, foi pressionado a renunciar logo
após as eleições.
O próprio José Serra deixou-se fotografar
beijando um crucifixo e sua campanha fez de uma obsessão do Vaticano – o
aborto – um tema quentíssimo da eleição.
A falta de carisma de
Bento XVI e a boa situação do país, que crescia 7,5% em 2010, impediram
que uma intervenção dessa natureza tivesse maiores consequências.
Embora
Dilma Rousseff seja titular de um governo que mantém apoio da ampla
maioria dos brasileiros em 2013, como dizem seus índices de opinião,
ninguém imagina que a decisão de 2014 irá ocorrer num ambiente
semelhante. A possibilidade de a oposição se aliar a um dissidente do
governo da estatura de Eduardo Campos coloca questões de outra natureza.
Na
Argentina, a escolha de Bergoglio promete gerar complicações
semelhantes para o governo de Cristina Kirchner, que vive um momento
muito mais complicado do que a vizinha ao Norte. O novo papa é um
adversário assumido de seu governo.
É possível fazer algumas observações, contudo.
A
escolha de Bergoglio confirma a profundidade da crise que envolve a
cúpula da Igreja Católica. É uma opção que parece sob encomenda para que
todos possam rir aqueles analistas que preparavam um tapete vermelho
para receber um personagem salvador, que seria capaz de abrir uma saída
para um abismo de denúncias de corrupção, tráfico de influência e
impunidade em relação a milhares de casos de pedofilia, um dos mais
covardes e inaceitáveis crimes que a vida moderna registra.
Deixando
de lado os dados biográficos triviais – o novo papa anda de metrô, fala
como as pessoas simples etc. – pode-se ir atrás de informações mais
substanciosas.
Horácio Verbitsky, um dos mais respeitados
pesquisadores de direitos humanos da Argentina, informa que Bergoglio
tem uma folha corrida complicada. Mostrou-se conivente com a perseguição
a presos políticos, inclusive sacerdotes que participaram da
resistência ao regime militar. Verbistsky ainda relata que Bergoglio
pouco fez para esclarecer casos de filhos de presos políticos
desaparecidos que foram adotados clandestinamente por amigos do regime
militar.
Ele também se manifestou contra o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Parece difícil que um papa com tais características seja capaz de recuperar o prestígio da Igreja.
Seria esta a revolução prometida pela renúncia de Bento XVI?
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