sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A coerência incoerente de Marina

Depois de perder de goleada no Tribunal Superior Eleitoral (6 x 1) e ver negado o registro para o seu novo partido, a Rede, disse a ex-senadora Marina Silva : "Minha nova opção partidária será marcada pela coerência, que sempre foi meu mantra." Escrevo nesta sexta-feira (4) pela manhã, sem saber ainda o destino partidário de Marina, que deve ser anunciado até sábado. Contudo, como ela se autoconcedeu o título de campeã da coerência, achei oportuno examinar com mais cuidado a questão. Como quase tudo na vida, a atribuição de quaisquer predicados a quem quer que seja depende do ponto de vista do observador. Do meu, Marina tem um longo caminho a trilhar, com muitos esclarecimentos ainda por fazer, até que possa reivindicar para si a tal coerência. Não acho que o fará, nem que isso seja hoje foco de suas preocupações. Por isso, seguirá esbanjando incoerência e, pior, investindo na consolidação de uma imagem pública que está longe de refletir o que ela é na essência.

De cara, cabe o reconhecimento de que merece todo o respeito e admiração a trajetória de vida da ex-ministra, marcada pela superação pessoal e pela militância ambiental em defesa da floresta amazônica e de seus abnegados seringueiros.Nesse ambiente de luta, ela forjou sua consciência política e fez suas escolhas. O resto da história é de conhecimento público : liderança e referência em desenvolvimento sustentável, cargo eletivo no Acre, senadora da República, ministra do Meio Ambiente de Lula.

Dez entre dez militantes do campo popular e progressista tinham todos os motivos do mundo para considerar que o compromisso político-ideológico de Marina com a esquerda era um compromisso de vida. Ledo engano. Em 2009, alegando discordância com a política de concessões ambientais do governo para as grandes hidrelétricas construídas na Região Amazônica, ela entra em rota de colisão com a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e deixa o governo atirando contra o conjunto da política ambiental do Planalto e o desenvolvimentismo do PT, Lula e Dilma. Logo, deixa também o PT e se abriga no PV.

Já estava picada pela mosca azul. Com Dilma já escolhida por Lula como candidata à sua sucessão, Marina enxergou a possibilidade de chegar à presidência em voo solo, impulsionada pelo vertiginoso crescimento da consciência ambiental na sociedade, fruto da destruição acelerada da camada de ozônio pela emissão desenfreada de CO2.

Na campanha de 2010, ela patina durante quase todo o tempo como candidata outsider de um ínfima parcela de modernosos em geral. Com aparições relâmpago no horário de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na tevê, e sem a menor capacidade de organizar mobilizações de rua, ela e o seu minúsculo PV vão empurrando a campanha melancolicamente.  E derrapa feio quando é instada a falar sobre suas propostas para o desenvolvimento econômico do país, ciência e tecnologia e geração de emprego e renda.

 Mas aí, então, eureca, surge nas hostes marinistas a ideia obscurantista de explorar o fundamentalismo religioso para catapultar a campanha e, enfim, subir nas pesquisas. E a exploração odiosa da questão do aborto é usada à exaustão pela candidata para desgastar a imagem da favoritíssima Dilma Rousseff. Serra embarca na mesma canoa, trazendo consigo os setores mais retrógados das igrejas evangélicas e católicas. Até o papa Bento XVI se soma ao linchamento de Dilma.

Foi assim, surfando nas trevas, que Marina obteve quase 20 milhões de votos, os quais, em sua grande maioria, nada tem de antenados, ecológicos e libertários. Três anos voam e o Brasil é sacudido pelas megamanifestações de junho de 2013. Marina parece ser a única beneficiada pelo estrondo, muito em razão da falsa imagem que construiu de política à margem do jogo político. De vestal que não suja as mãos no pragmatismo dos arranjos de poder.

O problema é que militantes virtuais e de sofá, jovens que odeiam a política e revolucionários sem causa que protestaram nas ruas "contra tudo que aí está", mais dia menos dia ficarão sabendo que, na condição de evangélica praticante e integrante da denominação Assembleia de Deus, Marina tem convicções dogmáticas que se chocam com a de seus admiradores. Mais do que isso, são inconciliáveis.

Sua religião não aceita o aborto nem para os casos previstos em lei como o estupro e fetos anencéfalos. Não situa a questão na órbita da saúde pública, como todos que têm apreço pelo estado laico. Seria interessante também saber a opinião de Marina sobre várias conquistas da sociedade que são abjuradas pela sua religião, tais como pesquisas com células-tronco, casamento de pessoas do mesmo sexo, adoção de crianças por casais homossexuais, etc. O que pensa Marina sobre a a descriminalização das drogas ?

Com certeza, seus eleitores em potencial levariam um susto com tamanha incoerência e conservadorismo.   






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