terça-feira, 26 de maio de 2015

Futebol : "turma do 7 x 1" abre guerra contra a moralização

A chamada MP do Futebol, que estabelece o parcelamento da dívida gigantesca dos clubes com a União, estimada em 3,5 bilhões de reais, mas exige contrapartidas sérias de gestão responsável, virou o alvo da vez do mundo conservador do futebol, avesso por motivos óbvios a quaisquer mudanças que lhes retire poder e reduza as margens para a locupletação às custas de um dos traços mais marcantes da nossa cultura, que é o futebol.


O governo federal, depois de incontáveis reuniões com o movimento Bom Senso (uma muito bem-vinda articulação de jogadores de futebol na luta por seus direitos), jornalistas e especialistas em futebol, editou a Medida Provisória  nº 671. A MP prevê o parcelamento das dívidas em até 240 meses. Mas, ao aderirem, os clubes ficam obrigados a publicar demonstrações contábeis auditadas, manter em dia salários, encargos trabalhistas e impostos.

Além disso, os clubes só poderão gastar até 70% de sua receita com salários do futebol. Um órgão estatal será criado para fiscalizar o cumprimento da lei. A MP estabelece sanções para os clubes que não a cumprirem, tais como o rebaixamento e o impedimento de participar de competições. Seus dirigentes, assim como acontece em qualquer empresa, responderiam judicialmente por má gestão, podendo chegar até mesmo à perda de seus bens pessoais.

Pronto. Um texto moralizador como esse bastou para deixar em pé de guerra a cartolagem da CBF, da esmagadora maioria dos clubes e seus fiéis aliados na política. "Temos balizados fundamentos jurídicos, constitucionais, que levam a crer que a Medida Provisória tem rasgos dramáticos  de inconstitucionalidade que não podem ser admitidos."

Adivinha quem disse isso à revista CartaCapital da semana passada ? Foi o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero ? Não. Por acaso teria sido um dos muitos parlamentares da bancada da bola no Congresso Nacional ? Também não. Então, só pode ter sido um dirigente de clube, que morre de medo da responsabilização judicial ? Outra vez não. A declaração é ex-deputado tucano Walter Feldman, novo secretário-geral da da CBF.

"Agora vai". Embora hoje seja filiado ao PSB, e tenha inclusive sido um dos coordenadores da campanha presidencial derrotada de Marina Silva, no ano passado, Feldman é um digno representante do jeito tucano de ser. Ninguém espere, portanto, da gestão Del Nero/Feldman qualquer reconhecimento de que a entidade deve satisfações à sociedade e aos poderes públicos, uma vez que, a despeito de ser uma entidade privada, usa bens simbólicos públicos, como a camisa verde e amarela da seleção e a paixão popular pelo futebol, para amealhar milhões.

O vexame histórico dos 7 x 1 para a Alemanha na Copa do Mundo, os 3 x 0 para a Holanda, e todas as péssimas partidas do Brasil na Copa do Mundo, em nada abalaram as convicções dos dirigentes do futebol brasileiro, seja de clubes e federações, seja da CBF. Continuam no seu voo cego rumo à destruição completa de um dos grandes patrimônios do povo brasileiro. Com raras exceções, nosso cartola sente urticária só de ouvir falar em responsabilidade fiscal, em auditorias externas, em punições para o mau gestor e, claro, na possibilidade de um dia ter de responder na Justiça por seus atos.

O fato é que o verdadeiro futebol brasileiro, hoje, é jogado na Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha e França. Por isso, os meninos andam pela ruas das nossas cidades vestindo as camisas do Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, Chelsea, Manchester United e por aí vai. Botequins e lojas de eletrodomésticos ficam abarrotados de boleiros nos jogos da Champions League. Enquanto isso, os poucos torcedores que submetem aos altos preços, à falta de segurança e às dificuldades de acesso para assistirem partidas de futebol no Brasil se deparam com um festival de horrores.

É cada dia mais comum jogos entre times brasileiros registrarem em média 80 faltas ou 100 erros de passe. Quem suporta isso ? Eu mesmo, um apaixonado por  futebol desde que me entendo por gente, uso o seletor de canais para passar batido pela grande maioria dos jogos. É triste ver jogador da outrora maior escola de futebol do planeta errando passes de um metro de distância. E o pior é a banalização dessa indigência técnica. Grande parte da crônica especializada prefere ignorar essa triste realidade, ou justificá-la com bobagens do tipo "o futebol de hoje é muito competitivo" ou "o jogo está muito pegado." Como se houvesse incompatibilidade entre empenho e talento. Lamentável !




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